Costumo dizer
que a “nossa” geração (referindo-me aqui aos nascidos entre 1955 e 1969 mais ou
menos) tem passado muitos apertos. Antes disso, a vida era bem menos
complicada, pois, a exemplo dos seres ditos naturais, as pessoas faziam
exatamente aquilo que delas se esperava: assim a totalidade das respostas para
os problemas da vida encontrava-se em algum manual de conduta, seja a Bíblia,
ou a tradição familiar, chegando até os regulamentos escolares e, após 1964,
aos preceitos da Educação Moral e Cívica.
Não digo
que era melhor ou pior, mas, com certeza, era mais fácil. Entre as dúvidas
cruéis que hoje assolam os nossos filhos, como, por exemplo, a escolha da
profissão, “naquele” tempo era tranquilo: se a pessoa era muito rica ou muito
pobre, certamente seguiria a profissão do pai. Explico: filho de médico, por
exemplo, ainda hoje tida como uma profissão rentável, certamente iria seguir os
passos do pai e se tornar médico. Por outro lado, um filho de pedreiro que,
antigamente, era uma profissão humilde, dificilmente chegaria a completar o
quarto ano de grupo e seguiria os passos do pai.
No campo
amoroso, então, era tudo muito fácil: moças se casavam virgens (conceito pouco
compreendido por pessoas nascidas depois de 1980 – vide Google) com rapazes bem
intencionados que, jovens, queriam prosperar em seus empregos estáveis e,
pasmem, constituir família!
De
repente, fruto da “decadência dos costumes” como dizem uns, ou pela morte de
Deus decretada por Nietzsche pouco antes de surtar de vez, o fato é que, de uma
hora para outra, passamos a ter que “nos virar”. Havia um programa na TV Tupi
que chamava Papai Sabe Tudo, mas a televisão parou de exibi-lo e, jovens,
achávamos que os velhos não sabiam mesmo de nada.
O
problema é que o tempo passou, nossos velhos se foram, tornamo-nos céticos
demais para aceitar velhos manuais, ou orgulhosos demais para reconhecer certas
sabedorias familiares. E o que nos restou? Angústia!
Adaptando
um pouco o pensamento do filósofo Schopenhauer que era uma espécie de doutor em
angústia, podemos afirmar que nossa vida é um filme de aventuras onde a gente
morre no fim, ou um filme de comédia em que morremos no fim, ou um romance em
que morremos no fim, ou mesmo um filme cerebral sueco em que também morremos no
fim. A boa notícia é que, atualmente, podemos dirigir esse filme. A má notícia
é que as cenas não podem ser refilmadas.
Assim,
cadáveres adiados que procriam, como nos definia Fernando Pessoa, vamos
seguindo em frente. Talvez a nossa grande descoberta hoje seja a de que podemos,
sem manuais ou, pior, com milhões deles, cometer os mesmos erros que nossos
pais cometeram, ou erros diferentes, e até mesmo alguns acertos.
Escrevendo
esta crônica, recebo um e-mail do compadre Serjão dizendo que um sabiá
laranjeira fez o ninho em seu pé de caqui. O sabiá não erra, pensei, e o caqui
continua vermelho como sempre.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Mah Nava, disponível em https://www.flickr.com/photos/14302299@N05/6918454908/
Foto : Mah Nava, disponível em https://www.flickr.com/photos/14302299@N05/6918454908/
Se o negócio é não complicar, o que posso dizer deste texto é que ele está simplesmente perfeito!
ResponderExcluirComo convém à perfeição, nada há o que retirar ou acrescentar. Resta-me admirar a capacidade de percepção e expressão deste cronista meu amigo.
Aprendi com o Serjão, Sylvio: o sabiá sabieia, o caqui caqueia; então o blog blogueia.
ExcluirSimples-mente eficiente !
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