sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

VEM, 2012!

Arte digital por M.L. Eccleston

E se eu dissesse que um milhão
de dólares não vale nada
e que a felicidade consiste
em despertar numa manhã
de sol nos braços nas coxas
no ventre da mulher amada?

E se fosse falso o que você
vê sente apalpa discute tenta
solucionar pela via da razão
e se houve só coração e o cé-
rebro só pensasse que era
mas não era não?

A vida que parte do princípio
que se parte não vai a parte
alguma pois se limita ao olho
que alimenta o córtex que sedi-
menta a memória que traz coisas
das quais não lembro e guarda outras
que tento, em vão, resgatar.

E se houvesse outra vida
e se existisse outra chance
e se a água passada refluísse?
E se, de repente, o tempo voltasse
a estrela reacendesse e o corpo
regenerasse?

Mas o tempo não para
e o Cazuza não sara
a gravidade limita mas não há
coisa mais bonita mais leve es-
sa coisa mais louca
do que este beijo na boca
este amor que demora e,
no entanto, é agora
é aqui...
infinito
do verbo ser.

(Poesia: Jorge Marin)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

RELEITURAS: O ÚLTIMO SHOW

Evento raro na vida do Pytomba: um ensaio, realizado no Operário, com Sílvio Heleno, Serjão, Bellini e Zé Neli

Dia 14 de novembro de 1980 era uma sexta-feira, véspera de feriado. Nesse dia, o Pytomba fez seu último show ao vivo, no Clube Trombeteiros. A cidade estava cheia pois, curiosamente, nesse mesmo dia, os professores da UFJF haviam decretado uma greve, em pleno governo Figueiredo, fato inédito. Os estudantes, claro, não queriam nem saber e aproveitaram para antecipar o feriadão.
Esse show trouxe algumas novidades: músicas inéditas, todas de autoria do grupo e algumas estreias. Paulinho Manzo apresentou, em sincronia com os sons, uma seleção de fotos em um telão, recurso pouco utilizado na época. Jorge Marin apresentou textos e poesias ligando as apresentações e o Moacir Godelo gravou o show ao vivo num moderno (na década de 80) gravador de rolo. Renatinho Espíndola foi responsável pelos efeitos especiais, como uma chuva de bolhas de sabão e efeitos de luz. O saudoso Zé Neli arrasou na bateria e Beto Bellini cantou e dançou de forma fantástica.
Essa apresentação pode ser considerada ousada. Primeiro, porque marcamos o início para as 21 horas, concorrendo com a novela “Coração Alado”. Depois, porque catamos toda a aparelhagem existente na cidade, ligando tudo em série, o que resultou numa potência ainda não experimentada pelo grupo, verdadeira coluna de P.A. (public address).
Nos ensaios, conseguimos reproduzir alguns momentos muito semelhantes ao Pink Floyd e ao Yes, com cenas parecidas com a briga entre Roger Waters e Richard Wright, depois entre Roger Waters e todo mundo, ou seja, aquela baixaria em que, histericamente, a pessoa grita: eu não vou tocar nunca mais!!! Foi mais ou menos o que Jon Anderson falou quando brigou com o Chris Squire no Yes. Perguntaram ao Keith Richards por quê esse tipo de briga não acontece nos Rolling Stones e ele revelou que, normalmente, está tão bêbado que nem vê se o Mick Jagger está no palco. Inspirados nesse fenômeno da guitarra, mobilizamo-nos para repetir a performance e, na hora do show Renatinho e Jorge providenciaram, diretamente do Botequim do Zé Medina, uma inspiradora garrafa de vodka. Serjão ficou tão mal que, simplesmente, esqueceu-se do show e foi pra casa, assobiando o hino do Botafogo. Conseguimos pará-lo, perto do Correio (enquanto isso a plateia já gritava “Pytomba, Pytomba” lá no Trombeteiros), e aplicamos uma técnica milenar que consistia em esfregar vigorosamente sal debaixo do sovaco da vítima de alcoolismo. O resultado foi muito engraçado, pois ele começou a rir e nós todos começamos a rir junto, e quase nos esquecemos também do tal show. Finalmente, demos meia volta e carregamos nosso bravo componente de volta ao clube e entramos, com a cara e a coragem no palco. Serjão, mesmo amparado por duas pessoas, ainda socou o violão numa pilastra.
Por incrível que pareça, o show foi um tremendo sucesso!

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

CAMPANHA PARA A RESTAURAÇÃO DA MEMÓRIA PYTOMBENSE: Hoje, reunidos em São João, lembramo-nos que, no dia do último show do Pytomba, foi grande a quantidade de pessoas que fizeram o registro fotográfico do mesmo. Como estamos restaurando nosso acervo, PEDIMOS a quem tenha imagens do show, seja na forma de foto ou slide, que disponibilize esse material para que possamos escanear e divulgar aqui no Blog. Como dizemos sempre, o blog é uma construção coletiva e, ao fazê-lo, estamos mostrando que temos histórias para contar. E essa é uma ótima forma de viver.
Serjão e Jorge

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

FACES DE MIM

Arte digital por Karen Graw

Tenho as mãos que abrandam a graxa e surram o martelo,
que sovam a massa e servem a mesa,
impelem a viola, deslizam a vassoura...
No tambor, fazem ferir a madeira.

Mãos... Que, em silêncio, outras mãos perdoam,
outras mãos... humildemente, pedem perdão.
Alisam seu corpo, acariciam a prole,
Reprimem, aplaudem e acenam.

Mãos que suam, aquecem e oram,
que despem a caneta revestem o papel. Acolhem no peito a bola que rola,
empurram as águas que a pele enamora.

Com orgulho, trazem o fardo que carregam,
à casa retornam troféu que alimenta,
longas filas ferozes sangram,
o ganho que pouco germina e tanto tardia.

No trato diário, inocentes criaturas,
tão frágeis empresto as mãos que as saciam,
pertinho do chão, peso que alivia,
amigo de menino, nas costas um cavaleiro.

Ator incansável, pequenina plateia,
palhaço preferido dos que prefiro,
sou pai, esposo, irmão, companheiro,
professor, aluno, eletricista, cozinheiro e faxineiro.

Também sei chorar, sorrir, agradecer, amar... Por que não, sonhar!
Sou um pouco de tudo e de tudo quase pouco.
Me visto de criança, atleta...brinco até de ser poeta,
e... mergulhado em infinitos pensamentos,
fiz-me expressar no infinito das canções,
deixando voar com o coração,
sensibilidades... sentimentos... causos e emoções...

(Poesia: Sejão Missiaggia, janeiro/2002).

A todos os leitores, comentaristas, seguidores e curtidores:
FELIZ NATAL! E que o Deus do coração de cada um de vocês possa iluminá-los na arte de renascer, com mais energia, prazer e entusiasmo. Que possam transformar o que desejarem e for possível! E que seus espelhos reflitam imagens de anjos!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

RELEITURAS: FESTIVAIS E FUTEBOL


Capítulo 3: Gigantes do esporte (final)


Quem assistiu, no domingo passado, à final do Campeonato Mundial de Futebol, entre Barcelona e Santos, pode pensar que nada é mais ridículo do que a apresentação do time brasileiro. Pois estão todos totalmente errados, amigos do esporte. JAMAIS HAVERÁ, no cenário esportivo nacional, algo tão ridículo quanto os jogos do glorioso time de futebol do Pytomba. 
As partidas, quase todas realizadas no Campo do Operário, eram verdadeiras performances, com pessoas que, não só não jogavam futebol, como nunca tiveram a mais remota ideia de entrar em campo. Podemos citar, como exemplo, o Bellini que, no palco, arrasava e esbanjava fôlego por várias horas, mas... Na hora de defender as cores do Pytomba Futebol Clube, fez um aquecimento durante exatos 85 minutos e, ao ser chamado pelo técnico para entrar em campo, recusou-se ferozmente, porque, segundo ele, como o gramado estava encharcado, poderia sujar seu uniforme branquinho. Em entrevista à Rádio Intupi, que transmitia o evento em FM, o vocalista declarou ao repórter de campo (Nenê):
- Ai, que nojinho! - frase hoje utilizada num comercial de TV.
Por falar em Rádio Intupi, esta representa um capítulo à parte na história do Pytomba: foi montado, pelo Sílvio Heleno, um transmissor de FM, que permitia a sintonia da trepidante narração de Jorge Marin:
- Meus amigos do esporte, boa tarde. Sábado é dia de esporte, o sábado é nosso, da sua Rádio Intupi. Falamos diretamente do Estádio Carlos Stiebler, o Gigante do Operário, para transmitir a partida de futebol entre Pytomba e Pingão, o Clássico Pypi, em disputa da Taça Júlio Renê.
A transmissão era também gravada num daqueles gravadores de uma tecla só e, à noite, reproduzida nas caixas de som da Lanchonete Joia, de propriedade do saudoso José Luiz de Carvalho que, juntamente com o Marquinho Dadalti, dirigia o esquadrão do Pingão. Quando queríamos um clássico aguerrido, chamávamos o Pingão, mas, quando queríamos só vencer, chamávamos os Vicentinos, que contavam com atletas de primeira linha como o Amaral do Correio e o Cumpadre Pituquinha, o Nem. 
A taça Júlio Nenê tem uma grande semelhança com a Jules Rimet, pois, a exemplo desta, também sumiu e ninguém mais achou até hoje. Foi patrocinada por nós mesmos e ficou escondida no estádio até que tivéssemos certeza que iríamos ganhar. Num jogo emocionante, em que, democraticamente, expulsamos o árbitro (Luiz Quirino) de campo, conseguimos derrotar o Pingão e saímos pela cidade, em carro (caminhão) aberto, numa bela passeata, acompanhada ao som de foguetes e dos olhares espantados do adversário, que tudo via sem nada entender o que estava acontecendo, pois eles nem sabiam da existência da Taça.
A seguir, alguns nomes que tiveram a honra de vestir nosso manto sagrado, a camisa negra do Pytomba: Rômulo, Ademir, Norberto, Cuoca, Nem, Sílvio Heleno, Jorge Marin, Serjão, Dalminho, Zé Neli, Márcio, Renatinho, Geraldo Cantõe, Zezé Constantino, Paulinho, Coxinha, Pipita, Zé Márcio, Pedrinho Ventania, Celso, Clarê, Dantinho, Biel, Quintino, Eduardo e Pedrinho Verardo. Alguns desses atletas chegaram a jogar em grandes clubes do Brasil. Tudo era muito bem organizado. Tínhamos nossas próprias camisas, envelopes timbrados, carimbos e até um símbolo, que era o urso Zé Colmeia.
Alguns jornais da época, como a Voz de São João, Novidade e o Ideal fizeram grandes referências sobre o trabalho do grupo, sendo que, o Ideal de novembro de 76, que tinha como diretor e redator Nilson Magno Baptista, fez sua edição toda voltada integralmente ao conjunto.
Neste ano de 1976, o grupo recebeu novos componentes: Zé Neli na bateria, Bellini no vocal, Paulinho Manzo na programação visual e Jorge Marin nas composições e apresentações de textos. Serjão foi para a guitarra base e percussão, e Sílvio Heleno passou para o teclado. Para a tristeza nossa e dos fãs, nesta época o Dalminho passou a residir em B.H. 
Foi nesta ocasião, que o grupo começou a compor suas próprias canções e algumas instrumentais. Canções como Gen Nini, Rosa de Jericó, Flores Mortas, Verde e Tempo, (letras de Jorge Marin e músicas de Renê), fizeram muito sucesso, sendo que a música Canto Livre foi uma composição conjunta do grupo, alguns dizem até psicogravada, e foi sem dúvida o trabalho mais marcante. 
Gravamos várias dessas músicas que estão pendentes de digitalização para divulgação. Uma bela apresentação, nessa nova fase, foi feita na boate Kako dos Democráticos, com projeção de slides (também sendo atualmente digitalizados) e reprodução das músicas.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

RELEITURAS: FESTIVAIS E FUTEBOL

Foto publicada no blog musicaoriginalbrasileira.blogspot.com

Capítulo 2: O palco giratório, e pulatório

Vendo, nos dias atuais, nossos filhos e alguns, os netos, fazemos, às vezes, a pergunta inevitável: será que eles se divertem mais ou menos do que nós? Hoje, qualquer festinha infantil é feita em bufê, com painéis alugados e animadores contratados. Os adolescentes vão para danceterias nas tardes de domingo, sonham com Smirnoff Ice e, apontando para as menininhas, vão falando para os amigos: ali, véi, já fiquei, já fiquei, já fiquei...
Enquanto isso, no passado, na sala da casa do Márcio, alguém apaga a luz: vai ter início mais um baile do Pytomba. Diferente dos tempos atuais, o baile era feito em casa e as bebidas preparadas na cozinha, no começo, uma caipirinha bem elaborada, uma batidinha esperta, até que, quando o fogaréu era geral, atingíamos o fundo do poço, com a nossa versão genérica – e pobre – dos ices de hoje: quisuco com pinga!
Apagada a luz da sala, acendíamos a iluminação do baile: na verdade, um monte de pisca-piscas de Natal, emendados e colocados no pé de ameixa que, na escuridão do terreiro, eram um verdadeiro show de pirotecnia.
E ninguém pode dizer que não fizemos uma apresentação equilibrada! Em cima do tal tablado sequestrado, tínhamos que nos revezar para não ocorrer uma tragédia pois, como o tablado estava em cima de um piso, melhor dizendo, de uma terra irregular, a coisa acontecia do seguinte modo: se o guitarrista se movesse para uma das laterais do “palco”, ocorria uma sincronia imediata, e a bateria, imediatamente, subia lá trás. Por outro lado, se o tal guitarrista se movesse ou, pior, saía de cima do palco, a bateria arriava lá trás. Imaginem uma pessoa de fogo, acompanhando aquele sobe e desce interminável. O mais interessante é que mesmo alguns dos componentes do conjunto, preocupados, confidenciavam: acho que bebi demais, porque estou sentindo tudo rodar. A triste, ou engraçada, realidade é que o palco/tablado estava mesmo girando, e subindo e descendo.
Voltando aos dias atuais, precisamente no dia 30 de junho de 2009, no Camp Nou, estádio do Barcelona, na Espanha, um outro grupo musical voltou a fazer essa performance: o U2, comandado por Bono Vox, e utilizando um upgrade do tablado da Dona Mariana, deu início ao seu famoso show “U2 360º”. Só que, não tendo a nossa destreza em palco/tablado, tiveram que ensaiar muito e, de tanto cair da beira do palco, o guitarrista David Howell Evans recebeu o seu famoso apelido The Edge.
De volta ao passado, na cozinha da Tia Irineia, uma terrível constatação: a bacia que estávamos usando com água, para lavar os copos, durante a festa, estava também sendo compartilhada por um cachorro, bem embaixo da mesa. A preocupação não era o fato do cachorro ter bebido a água da bacia, o que apenas demonstrava nossas preocupações ecológicas, mas sim, se o cachorro bebera a água DEPOIS de termos lavado os copos, ou ANTES, o que acabaria por se constituir em um atentado, dos grandes, às boas regras de higiene, e também um grande enigma na história da banda.

Também fazem parte da história pytombense as inúmeras vezes em que pulávamos a janela do ginásio, para, religiosamente, ensaiar na sede do Operário. Como não tínhamos as chaves, a única maneira que encontrávamos para entrar no clube era arremessando o magrelo do Dalminho por um buraco. Mais precisamente, pela abertura de um vidro quebrado, que ficava na porta dos fundos. O mais legal era quando ele não conseguia abrir a porta, e ficava preso lá dentro. E íamos embora. Se fosse nos dias de hoje, diríamos rsrsrsrs...
Os ensaios, quando ocorriam, sempre viravam verdadeiros bailes. Era constante e fiel a presença do nosso fã clube, uma galera que nunca desgarrava do grupo.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

RELEITURAS: FESTIVAIS E FUTEBOL

"O monólito", Exposição Nacional da Suíça 2002, por Jean Nouvel

Capítulo 1: O RAPTO DO TABLADO

Na década de 70, os festivais de música eram muito populares: havia o da TV Record, que revelou nomes como Chico, Caetano, Mutantes e Gilberto Gil, mas, estranhamente, premiou artistas dos quais pouco se sabe hoje em dia, como o lendário Geraldo Vandré e o ótimo Taiguara, este último falecido em 1996. Em São João, a coisa não era diferente, e músicas como Edith Pólvora e Cid Navalha, ambas do Márcio Velasco, levavam o povão ao delírio com suas letras irreverentes, reforçadas pelas apresentações vibrantes do Pytomba.
Com a popularidade, o conjunto era chamado para apresentações em clubes, casas, quintais e qualquer lugar onde a galera resolvesse se juntar. E se vocês pensam que, pelo fato da coisa ser assim meio performática, abríssemos mão do planejamento, vocês estão enganados. Tudo era precedido de reuniões, normalmente marcadas para o terraço da casa do Márcio. Feitos os relatos originais, falava-se de tudo, menos do baile que iria acontecer. Depois, todos desciam para a varanda, exceto os que ficavam dormindo lá em cima. Ali, continuavam os debates, via-se o movimento e, para evitar a dispersão, passavam todos para a sala, exceto os que ficavam cochilando na varanda. Na sala, geralmente alguém ligava a televisão e, se estivesse passando o Sábado Som, aí é que não rolava nada mesmo, até terminar o programa. Então, quando ia ter início, efetivamente, a reunião, ficava pronto o café da Helci, e iam todos para a cozinha, inclusive os que haviam dormido, com a finalidade de também filar os cigarros do Márcio. Tomado o inesquecível café, todos se sentavam na escada do terreiro e deliberavam, solenemente: “Fica decidido que... será preciso agendar outra reunião”, quando, então, era escolhido o local, sendo aclamada, por unanimidade, a casa do Márcio para o novo encontro. Não sei o que era mais fantástico: aquela intensa movimentação para não decidir nada, ou o sorriso calmo da Tia Irineia, admirando toda nossa inquietação.
Foi após uma dessas reuniões “proveitosas” que, para servir de palco a uma apresentação que ocorreria também na casa do Márcio, elegemos, democraticamente, o tablado da mãe do Sílvio Heleno. Este, conhecendo a dificuldade de convencer a genitora a ceder a desejada peça, resolveu arquitetar, junto com todo o grupo, o sequestro da mesma.
Fãs incondicionais dos Incas Venusianos, esgueiramo-nos pela mansão dos Picorone e, ninjamente, fomos saindo, pé ante pé, carregando o indigitado tablado quando, ao ranger do portão, olhamos pra trás, e vimos, na varanda, quem? Exatamente, a Dona Mariana que, com seu vozeirão típico de mãe com raiva, trovejou:
- AMANHÃ, BEM CEDINHO, EU O QUERO, AQUI DE VOLTA!
Como já era de se esperar, este tablado jamais voltaria e muitos de nós passaríamos meses, e até anos, entrando e saindo da casa de Silvio Heleno escondidos, às vezes disfarçados de carteiros.
Quase dois anos depois, quando imaginávamos que aquele fato já fazia parte de um passado distante, ao entrarmos pelo portão, ela nos pega desprevenidos e pergunta:
- E aí pessoal!!! E o meu tablado?!!! Nesta hora, foi gente saindo de fininho para todos os lados.
A última noticia que tivemos dele – do tablado - é de que teria se transformado num garboso portão na casa da Tia Irineia, que também não sabia de nada.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

MINHA FAMÍLIA

Minha Família

Doce meiga,
Olhar sereno cristalino,
Riqueza infinita,
Infinitamente mulher.
Namorada eterna namorada,
Habitas meu coração,
Amiga, razão do meu ser, verdadeira paixão.

Pedacinho do universo,
Amor, ternura... Tudo mais!
Um presentinho de Deus,
Luz eterna,
A se apagar jamais.

Meu pequeno,
Amigo companheiro,
Tão grande sua presença,
Hoje, ontem,
Eternamente.
Um verdadeiro homem,
Serás no amanhã, que te espera.

Sábio fui,
Envolvendo-me na
Riqueza de um lar.
Jamais poderia tanto amor imaginar.
Agradecer só resta...
Obrigado Senhor.

(Acróstico: Sérgio R. Missiaggia, Jan 1997)

Dezembro, antes de qualquer coisa, é o mês da família. Por isso, damos uma pequena parada na nave Pytomba, para homenagear essa família que, se fosse uma banda, diríamos que já está na estrada há exatos 25 anos. Já lançaram, juntos, muitos trabalhos, desde o tempo em que eram apenas uma dupla, como Meu Pé de Caqui e Crônicas Galináceas 1 e 2, A Princesa Lá de Casa, O Artilheiro Mora Aqui e, hoje, Bodas de Prata.
Parabéns à família Serjão, Dorinha, Paula e Matheus por serem prova viva desse difícil, mas necessário e doce, Teorema do Amor!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

RELEITURAS: PRIMEIRO BAILE INTERMUNICIPAL

Arte digital por Punxdude.

Parte II - PARA ARGIRITA, E ALÉM!

23.09.1972, sábado à noite – Um dia para ficar na História: enquanto, em São João Nepomuceno, nossos pais, calmamente, se refestelavam em suas poltronas para assistir Jerônimo, o herói do sertão – na TV Tupi, e Selva de Pedra, com Francisco Cuoco e Regina Duarte, na TV Globo, lá na noite de Argirita, outros heróis, os componentes do Grupo Pytomba, usando o suspeito nome de “Mercado Negro”, tomavam um susto: achando que iam tocar para um bando de caipiras numa roça, surpreenderam-se com a nata da sociedade argiritense, num concorrido baile em traje de passeio completo.

20:30 – Ao conferir o local, ficamos sabendo que aquele lugar chique era, na verdade, a Fazende Vitória, e que o conjunto que ia tocar para aquele bando de bacancas era... nós!
O silêncio foi geral nessa hora. Teve gente até querendo voltar de qualquer jeito.
Vendo que ninguém falava nada, tentei quebrar o gelo, com uma frase que, desde então, passou a fazer parte da Antologia do Rock:
- Gente, como é que toca valsa na bateria?
O pânico se espalhou, uns vomitavam, mas, fazer o quê? O contrato já havia sido fechado e todos teriam que se virar de qualquer jeito.

20:40 – Fomos estacionar a kombi e aí, outra surpresa: uma cobra jararaca, também impecavelmente pronta para o bote. Mas, tínhamos a força: nosso bravo motorista Paulinho esmagou a hedionda serpente com o seu Trombone Justiceiro.

21:30 – Montada a “pareiaje”, não é que o baile até que não foi totalmente catastrófico? O repertório, finalmente, começou a rolar: The End (sempre começávamos com O Fim, curioso não?), Oh My Love, My World, De Tanto Amor, Imagine (meu Deus, já 31 anos sem John Lennon!), Look Aroud And You’ll Find Me There.

22:05 – Cenas Antológicas do Rock: de uma hora pra outra, o aparelho da guitarra, num barulho ensurdecedor, começou a apitar sem parar, Aí... mexe pra cá, mexe pra lá, e o Sílvio Heleno, numa atitude pioneira, sentou um bicudaço naquela porcaria, jogando o impertinente gadget bem no meio do salão. O mais fantástico de tudo é que ... a coisa funcionou: expurgado o aparelho impertinente, tudo começou a fluir normalmente. E, pasmem: deu até para terminar o baile. Mas, cá pra nós, que sufoco!

(Esse gesto do Sílvio Heleno foi, mais tarde, imitado por outros guitarristas, como Greg Lake, do Emmerson, Lake and Palmer, Pete Townshend do The Who e Bento Hinoto dos Mamonas Assassinas, embora este último tenha quebrado acidentalmente, num show em que, também a exemplo do Pytomba, estavam tocando com o nome de “Utopia”).

SÉCULO XXI – LENDA URBANA - O sucesso daquele baile foi tamanho que, durante muitos anos, centenas de moças, para ser exato uma centena (na época era a totalidade da população feminina da cidade) fretavam ônibus para São João em busca dos gatos do conjunto Mercado Negro. Coitadas, até hoje permanecem frustradas, e, atualmente, distintas senhoras, ficam sentadas junto às janelas, suspirando pelos velhos tempos. E aquele menino, que seguiu o Márcio na praça, cresceu, foi jogar no Comercial Futebol Clube, onde foi artilheiro por três temporadas seguidas, adotando o nome que ele ouvira o Sílvio chamar nosso baixista: Belásquez! Depois fez teste no Atlético Mineiro. Mas não passou...

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

RELEITURAS: PRIMEIRO BAILE INTERMUNICIPAL

Foto de Argirita por Olinto Cristo

PARTE I - TOCANDO INCÓGNITOS

23.09.1972, Sábado – BR 126, vento nos cabelos, cheiro de mato, estamos indo em direção ao tão esperado PRIMEIRO BAILE INTERMUNICIPAL, na gloriosa cidade de Argirita. Êta nóis! Um único “pobrema”: nós não podemos contar pra ninguém que nós somos nós. Como assim? É que, na hora de assinar o contrato, o Márcio, o único que sabia fazer rubrica, e por isso assinava os contratos, disse que o nome do conjunto era Mercado Negro. Por que, meu Deus? Por que?...

E essa dúvida persistiu no imaginário pytombense durante décadas até que, em 2009, e aqui mesmo no blog, nosso destemido baixista revelou:

- “O negócio na fazenda Vitoria foi que alguém me proibiu de ir lá como Pytomba. Aí pensei em um nome subversivo, como era moda e, depois de grave meditação, cheguei a Mercado Negro. Acho que influenciado por Black Magic Woman do Santana... Só me lembro que, dias antes do evento em Argirita, fui parado na rua por um menino que correu atrás de mim e só faltou pedir autógrafo por causa do nome da banda. Mas, no coração era mesmo Pytomba. Só pra lembrar: muitas reuniões eram feitas na minha casa e eu era formalmente convocado para participar delas.”

18:57 – Lá vamos nós, na potente Kombi do Paulinho Caturra. Todo mundo tranquilo e relaxado. Afinal, estávamos preparados. Sabem quantos ensaios fizemos? Pois é, nenhum! A coisa estava sendo encarada na farra, mas tão na farra que o Paulinho Caturra, já quase chegando ao trevo, resolveu voltar para pegar seu trombone. Afinal, tocar numa fazenda seria moleza, imaginávamos, enquanto, alegremente, seguíamos viagem. Vou ter que espantar as galinhas da beirada do palco, dizia. E todo mundo ria.

19:25 – Chegando em Bicas. As duas garrafas de Menicucci, um “autêntico” vinho chileno de uma safra especial produzido em Cachoeiro do Itapemirim, acabaram de secar. Fazer a cabeça também era parte do nosso plano de produção e, como sempre, levamos muito a sério o nosso planejamento.

19:40 – Ao pegar a BR-267, paramos para abastecer e um fato curioso ocorreu: o funcionário do posto, ao abrir a porta da kombi, levou um baita susto pois, de dentro do carro, um de nós, com baqueta e tudo, arriei aos seus pés.
E notem que o conjunto nem havia chegado ainda ao destino!

20:15 – Já deixamos Guarará e Maripá de Minas bem para trás. A cabeça começa a girar. Brincadeira, já estava girando quando deixamos o trevo de São João. De repente, a kombi teve que reduzir a velocidade pois chegamos num engarrafamento. Começamos a observar essa intensa movimentação na estrada: inúmeros carros se cruzavam na pista, em busca de uma possível vaga, pois os dois lados da estrada estavam completamente ocupados. Homens passavam de um lado ao outro, impecavelmente a rigor. Mulheres, com seus vestidos longos e rosas na mão, ficavam a desfilar pela pista, acompanhadas de seus parceiros com ternos e gravatas.

20:30 – Preocupado com aquela fila de gente bacana, o Paulinho deu uma paradinha em frente a outra Kombi, e perguntou: e aí, meu amigo! A Fazenda Vitória fica muito longe daqui? É aqui mesmo: vocês são do conjunto? Desesperados, lemos o cartaz: 3º Baile da Rainha da Primavera de Argirita. Conjunto: Mercado Negro.
Quem são esses caras? - perguntou um colega já bem alcoolizado. Somo nós, respondeu o Márcio. E começamos a chorar.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PASSAMOS DOS 30.000!!! QUEM É QUE VIU?

Frame do filme "30.000 léguas submarinas".

BRIGADÚ!!!
30.000 visitas é tudo de bom, é o melhor presente de 40 anos que o Pytomba poderia receber.
Estamos aguardando a foto do 30.000º visitante...

RELEITURAS: O INFERNO DE DANTINHO

Arte digital por Bill Brink

Também em 1972, para comemorar o aniversário de três componentes do grupo, nos apresentamos no terraço da casa do Dantinho.

ANOTAÇÕES DO BAILE:
01) QUEM COLOCOU ESSA P*** DESSA CORDA?
Colocaram uma corda separando o palco da pista de dança. Fiquei preso do lado de cá. Tô meio zonzo. Como faço pra ir no banheiro??? O que faria Phil Collins no meu lugar?
02) QUEM VOMITOU NA TUMBADORA?
Na verdade, não era uma tumbadora, mas um surdo desempenhando o papel. Quando voltei do banheiro (rastejei por baixo da corda), descobri aquela substância e não tive coragem de tocar. Da pista de dança, escutei alguém tocando, animadamente, no meu lugar. Fiquei sentando no chão, até que ouvi o Sílvio Heleno gritando:
- Volta, Serjão! O Nílson já limpou a tumbadora!
Imaginem aquela nojeira espirrando pra todo lado. E até que o Nilson tocou direitinho!
03) O SOM DO SILÊNCIO
Não, não é nome de filme: foi nossa gravação, depois que o César Esquisitinho terminou. Ele ficava rodando o fio do gravador o tempo todo, e ele próprio também rodava pela pista o tempo todo. Resultado: nenhum!
04) A BATIDA DE LIMÃO
Fizemos uma batida de limão zeliciosa, sileciosa, diceliosa, ah, sei lá! Experimentamos tanto a dita cuja que o resultado foi aquele desastre que já contei. Tio Dante e Tia Adail tentaram limpar o chão por muito tempo, o que só aconteceu depois da Copa do Mundo, de 1978!
05) CHUTEI O TAROL
Como é que uma pessoa sabe que está em coma? Ah, ela não sabe nada que aconteceu com ela? Então eu, com certeza, estava em coma.
- Por que você chutou o tarol, Serjão? – perguntou, zeloso, o Sílvio Heleno.
- Escorreguei numa casca de banana – expliquei.
- Ah, tudo bem – responde o Sílvio, concentrado na música que eu já nem estava ouvindo mais.
06) CARREIRA (NO) SOLO
Naquela noite, o conjunto quase se desfez: só conseguimos tocar uma única música juntos. Aí, fomos caindo, um prum lado, outro pro outro. E o baile terminou, apenas, com dois componentes, Márcio e Dalminho, cada um tocando uma música diferente e um estranho casal solitário dançando... tango!


1973 – BAILE NO GINÁSIO – Duas notas, ambas do Sílvio Heleno: estávamos tocando em um tom e ele entrou solando em outro totalmente diferente. Quando questionado, respondeu:
- Foi assim que eu aprendi com o Bastião Cricri! – e continuou.
Na música seguinte, na hora do solo, olhamos pro lado e só vimos a guitarra, ligada, no chão. O Sílvio havia, simplesmente, sumido, no meio do baile.
Pior pra ele que não aproveitou nosso cachê daquela noite: um pão com salame e uma coca-cola (quente).

1974 – PRIMEIRO SHOW INTERDISTRITAL, em Roça Grande na Boate Bate Papo. Naquele tempo, boate era o que hoje se chama danceteria, zona era que se hoje se chama boate. E Paraguaio era o técnico do Botafogo.
Engraçado é que eu não me lembro de nada, só que tivemos que sair do baile pela janela dos fundos. Na volta, fomos parar num lugar esquisito, depois identificado como: a porta do cemitério. Eu hein!!!
Foi uma noite histórica em que conseguimos botar pra dentro da boate todos os sapos. Muito legal. Pena que o único barrado foi o Márcio Velasco, e começamos o baile sem baixista!

(Crônicas/depoimentos: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

RELEITURAS: O PRIMEIRO BAILE

Carlos Santana em foto do site jazztimes.com

LADO B: Aint got nobody that I can depend on!

PYTOMBAAAAAAA!!!
O grito da Nely ainda ecoava em nossos ouvidos. Sabe aquela história de não sei se é pra rir ou pra chorar? Sílvio Heleno, apavorado, não acreditava no que estava acontecendo, mas subiu rapidamente no palco e, com a mesma rapidez, se escondeu atrás da aparelhagem.
Márcio Velasco gritava como louco, pedindo para que o bravo guitarrista solo mostrasse pelo menos o rosto, pois, caso contrário, ninguém tocaria. Tudo sob risos e aplausos de uma galera de fãs que delirava.
Renesinho, como num passe de mágica, desapareceu do clube, deixando a bananosa estreia para: Sílvio Heleno, Dalminho, Serjão e Márcio.
Dalminho, numa demonstração surpreendente de coragem, dirigiu-se sozinho para frente do palco, pegou a guitarra e começou a regular a altura do pedestal e microfone. A seguir, numa breve olhada para trás, contou o número de elementos para certificar-se de que ninguém mais havia fugido. Avisou que iria dar seu sinal pra começar... E haja Gin Tônica!
A seguir, um momento histórico: ainda teríamos que aguardar alguns minutos, até que Silvio Heleno, mesmo sentado, fosse arrastado, com cadeira e tudo, mais para frente do palco.
Assim, após todos estarem em seus lugares, Dalminho, dando mais uma olhada para trás, chegou junto à bateria e disse:
- É agora ou nunca!!!! Serjão!
A seguir, começou a cantar, com toda empolgação No One To Depend On: “Aint got nobody that I can depend on”... Era o próprio Santana cantando. E a galera delirava, aplaudia e dançava sem parar.
E mais Santana, tudo vindo ao nosso encontro, ou “Everyting’s Coming Our Way”, seguido de Imagine, My World, Something e, para finalizar, Withou You.
O mais curioso desta noite inesquecível foi a presença maciça, neste baile, de quase todos os músicos da cidade. E o pior: todos sentados próximos ao palco. Possivelmente admirados, talvez pela nossa aparente coragem, mas certamente pela imensa cara-de-pau.
E como diz a letra de Withou You: “yes, I can’t forget this evening, or your face as you were leaving, but I guess that’s just the way the story goes”. Sim, eu não consigo esquecer esta noite, ou sua(nossa) cara(s) na hora em que estava(mos) saindo, mas acho que foi exatamente assim que tudo aconteceu…

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

RELEITURAS: O PRIMEIRO BAILE

Encarte do disco Close to the Edge, do YeS

LADO A: 1972... O ANO EM QUE FIZEMOS BARULHO!

1972 foi um ano muito louco para todos nós. Nós quem, cara pálida? Ora, pra quem gosta de festa e música e tal.
Pra começo de conversa, quem aí já ouviu falar no Sesquicentenário da Independência? Pois é: dia e noite, ficavam martelando na cabeça da gente aquela musiquinha ridícula: “fato extraordinário / sesquicentenário / da Independêeeeencia...
Mas aconteceram coisas legais, e tristes também (foi o ano em que morreu Leila Diniz e também do incêndio do Edifício Andraus em São Paulo). Mas, enquanto isso, no mundo da música:
- o tal do João Ricardo começa a ensaiar com uma nova formação para sua antiga banda – os Secos & Molhados – agora com um cantor novato chamado Ney Matogrosso;
- o Deep Purple gravou Machine Head, com a música Smoke on the Water;
- o Yes grava Fragile e, o meu preferido, Close do the Edge;
- Jethro Tull grava Thick as a Brick;
-Black Sabbath grava Vol. 4 com a música Changes;
- ah, mas tem uma nota triste também, porque, nesse ano, acabou o Creedence.

Bom, mas nada disso tinha importância pra nós, porque, todo sábado, a gente se encontrava e assistia Sábado Som, e depois ficava tentando “tirar” as músicas, os solos e até os trejeitos dos caras.
À noite, estávamos todos no Operário, num baile do conjunto N-5, os antigos Cobrinhas, e a Nely Gonçalves tinha dito pra gente que, qualquer hora dessa, vou chamar vocês prum pega. Dar um pega é o mesmo que dar uma canja, isto é, durante a apresentação de um conjunto (o que chamamos de banda hoje), outro conjunto/banda é chamado ao palco pra tocar algumas músicas.
- Será que ela tem coragem de fazer isso? – alguém perguntou.
Todos riram:
- Ah, é sacanagem da Nely. Só se ela fosse louca ou estivesse bêbada.
Só que a gente se esqueceu é que aquela mulher era louca (acho que é até hoje) e, principalmente, tinha tomado todas. Aí pegou o microfone e falou:
- GENTE! Quero anunciar, com muita alegria, a chegada de um novo grupo musical na cidade. Apresento a vocês... o GRUPO PYTOMBAAAAAA!!!

Como a garotada diz hoje: E AÍ VÉI????

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin

terça-feira, 22 de novembro de 2011

RELEITURAS - AS MANGAS ROLAM EM SÃO JOÃO 2 - HABEMUS PYTOMBA!

É NÓIS!

São João Nepomuceno, 22 de novembro de 1971. Segunda-feira.
Parou a chuva. Vai acontecer: O PRIMEIRO ENSAIO.
Fechados, dentro do Barracão, começamos a tocar os instrumentos. É lógico que é um momento só nosso. É o início de um sonho. Nós, a música, a magia... MAS...

Passando por ali, de carro, aquela figuraça (até hoje) Guilherme Bellini, ouvindo a barulhada e vendo o piscar das luzes, saiu pela rua convidando a todos que via para um “baile na casa do Sílvio Heleno”. A mãe deste, dona Mariana não conseguia entender a multidão de jovens passando pela sua cozinha e preferiu fechar a porta e esperar aquilo tudo acabar. Enquanto isto, o som rolava solto até a noite, e a galera dançou até que não restou manga sobre manga. Depois, tranquilos e calmos, todos saíram como se nada houvesse acontecido, enquanto dona Mariana ainda avaliava se poderia abrir sua porta com segurança.
O repertório oficial incluía músicas como My Pledge of Love, Isn’t It a Pity, What’s Life, It Don’t Come Easy. Como se vê, a influência dos Beatles era clara.
Mas quem eram os componentes fundadores do Pytomba?
- guitarra solo, SÍLVIO HELENO;
- guitarra base e voz, DALMINHO;
- bateria, SERJÃO;
- baixo MÁRCIO VELASCO;
- iluminação: RENATINHO ESPÍNDOLA.
Os primeiros aparelhos e instrumentos eram exclusivos e feitos especialmente para a banda: enquanto os outros utilizavam a bateria Pinguim, a do Pytomba – de origem desconhecida - era a Urso Polar, na verdade um surdo com esteirinha, um bumbo com pedal e um prato com arrebites. Os conjuntos comuns usavam um amplificador de voz Plantronics A100, mas o do Pytomba era o A(sem)nada e seus alto falantes pulavam alegremente pelo chão. Os violões possuíam cristais, o chifre era de boa qualidade, mas os dois microfones eram aqueles de gravador, apoiados num sofisticado pedestal Zebra, nada a ver com os genéricos da marca Girafa. As luzes, ou ambas as luzes, eram lâmpadas de Natal, giradas vigorosamente pelo iluminador. Os leigos, que não entendiam aquela revolução musical, indagavam por que não uma bateria Super Pinguim, aparelhos de guitarra e baixo Plus ou Super Tremendão, aparelhos de voz A100 ou A200, microfones Surian ou AKG, pedestais Girafa, baixo e guitarras Fender, câmara de eco, gelo seco e um órgão Caribbean?
A resposta era simples:
- Porque não!

Hoje, 40 anos depois, pensamos: o que é que nós fizemos? Pegamos alegria, juventude, amizade, sensibilidade e amor à vida. E cantamos e tocamos e demos muita risada.
Agora, neste exato momento, dentro dos nossos corações, tudo continua do mesmo jeito. Só o tempo que passou.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

RELEITURAS - AS MANGAS ROLAM EM SÃO JOÃO 1

Foto de Sílvio Heleno Picorone (A pítombeira)

São João Nepomuceno, 20 de novembro de 1971. Domingão!
Hoje, depois da missa, ficamos sabendo de uma notícia terrível: um desabamento, no Rio de Janeiro, do elevado sobre a Avenida Paulo de Frontim, matou 22 pessoas e feriu mais de 100! . O governador Negrão de Lima decretou luto oficial.

Criar um conjunto de rock não é tarefa assim tão fácil. A começar pelo nome: uns queriam Derruba Clube, mas, para a época, o nome parecia subversivo demais. Até que se criou um consenso de que o nome ideal seria Pitomba na Oreia. Como não se sabia, no dia em que o nome foi escolhido, a pitomba é a fruta da pitombeira, mas o significado que se queria era mesmo o de um “tapa na orelha”. Alguém foi buscar um dicionário (geralmente um chato), descobriu que os dois significados estavam corretos, mas sugeriu:
-Por que não colocamos Talisia Esculenta? Levou imediatamente diversas pitombas.
Os primeiros ensaios foram realizados no barracão do Sr. Anginho Picorone, que resolveu transformar este “cavern club” do Pytomba em um depósito de mangas. Esta situação inusitada, de dividir os ensaios com aqueles frutos em fase de amadurecimento, em nada perturbava os ensaios da garotada. Afinal, o conjunto também ainda estava verde.
É importante ressaltar aqui que o citado barracão ainda existe, está aberto á visitação pública de segunda a domingo e, a exemplo da ex-casa de Elvis Presley, chamada de Graceland, este importante local também deverá ser tombado como patrimônio cultural da municipalidade, sob o nome de Mangoland, ou Pytombaland.
Num dos ensaios, um grande temporal assolou a cidade, destelhando quase completamente o galpão. A luz acabou, e ali, no escuro, molhados junto com as mangas empapadas de barro, só uma certeza manteve o grupo unido. Não, não era aquela fé de que um dia seremos famosos, mas sim: “Salvem a pareiage!” (que, como era de se esperar, era toda emprestada).
Foi uma grande decepção, não pela aparelhagem – afinal eram apenas bens materiais – mas sim com a interrupção de um ensaio tão fantástico, apesar do temporal, apesar da falta de luz, apesar do teto sem telhas e apesar de estarem todos atolados no barro até as canelas. Num mar de mangas!

Ah, e naquela tarde de domingo, o Atlético Mineiro derrotou o Vasco por 2x1 (gols de Ronaldo, Humberto Ramos e Ferreti), o Botafogo empatou com o Grêmio por 1x1 (gols de Zequinha e Joãozinho) e América e Cruzeiro ficaram no 0x0 no Rio.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

domingo, 20 de novembro de 2011

CONCURSO INTERNACIONAL PYTOMBA 40 ANOS!!!


BLOG DO PYTOMBA VAI PREMIAR O VISITANTE NÚMERO 30.000.

Este você não pode perder: numa parceria exclusiva com o TÚNEL DO TEMPO, vamos premiar o visitante número 30.000 do blog, com o seguinte prêmio:
>>> TOUR PELO BARRACÃO DO SR. ANGINHO PICORONE, com direito a desfrutar a energia irmanada pelo local, visita ao ponto da explosão da histórica Bomba XB3/4 e foto, com celular, exatamente no marco zero do Grupo Pytomba.
Ah, e estamos negociando um cafezinho com o Sílvio Heleno (sem pão!), mas tá difícil.
PARTICIPE: é só fotografar a tela de seu PC, provando que você é o visitante 30.000 e entregar ao Serjão, ou ao Sílvio Heleno, ou para o e-mail pitomba.grupo@gmail.com e pronto: você vai direto para as páginas musicais da História, junto com o Pytomba.

RELEITURAS: O PRINCÍPIO DO INÍCIO 5

Fotos publicadas no site www.util.com.br

São João Nepomuceno, 20 de novembro de 1971, sábado.
Hoje, nas bancas, uma notícia triste: devido às chuvas em Belo Horizonte, 22 pessoas morrem soterradas pelo lixo que era colocado numa colina pela prefeitura.
Hoje, começam também as semifinais do Campeonato Nacional: tem Palmeiras x Coritiba no Pacaembu e Inter x Santos no Beira-Rio.
Hoje, fiquem tranquilos: não vamos falar sobre o Brito. Em compensação, Jairzinho e Djalma Dias obtiveram efeito suspensivo no STJD e jogam contra o Grêmio amanhã.
Engraçado, a gente fala de futebol porque, naqueles tempos, de censura brava, tudo o que podíamos ver, nos jornais, era futebol e notícias internacionais.

O prefeito – Bolote – inaugurou as novas lâmpadas de vapor de mercúrio, que deixariam a cidade iluminada como nunca.
O padre Vicente abriu a Igreja para os jovens, e os violões animavam as missas, os encontros, as gincanas e as campanhas de Natal e inverno.

Ah, e pra quem diz que só damos notícia de futebol, vamos falar de cinema: hoje, o diretor sueco Ingmar Bergman anunciou seu casamento, pela sexta vez! Deus me livre e guarde, diz minha madrinha, e se benze.

O grande barato era a luz negra e as bebidas da moda eram Gin Tônica, Cuba Libre, Campari, sem esquecer a Batida de limão e o Rabo de Galo.
Pois bem: foi neste cenário, ao mesmo tempo ingênuo e vibrante, conservador e psicodélico, mais precisamente depois de amanhã, que um grupo de rapazes vai se unir, imaginando estar um dia num grande palco, com suas músicas reconhecidas e cantadas por todos.
Ali vai começar a nascer, mais do que o simples sucesso – que é efêmero – um sonho que jamais irá morrer, pois este é o lema do grupo, O QUE SEMPRE FOI SEM NUNCA TER SIDO. Será?

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

RELEITURAS: O PRINCÍPIO DO INÍCIO 4

Os Cobrinhas arrasando!

São João Nepomuceno, 19 de novembro de 1971, sexta-feira (oba!)

Sexta-feira, normalmente, a gente ficava até mais tarde na rua.
Hoje é Dia da Bandeira e nas televisões e nos jornais só se fala em ordens do general Geisel ou homenagem do Presidente Médici, além de propagandas de forte cunho nacionalista nos jornais: Coopersucar, Banco do Brasil e outras falam do pavilhão nacional. Hoje, poucos se lembram até que a bandeira tem dia.
A cena urbana sanjoanense mesclava lojas (como: A Brasileira, Tipografia, O Guri, Americana, Casa Leite) e os bares Dia e Noite e Floriano, onde todos se cumprimentavam e tomavam um café, ou uma cerveja.
O futebol vivia de saudades: as torcidas de Mangueira, Botafogo e Operário, lembravam os clássicos inesquecíveis, e torciam pelos times do Rio: o Botafogo era a base da Seleção Brasileira, mas perdeu o título carioca, com um gol roubado no último minuto.
Impossível falar do Botafogo sem voltar ao assunto, que já está ficando chato, do Brito. Ontem, o Supremo Tribunal Federal deu um parecer sobre esses casos de empregado impedido de trabalhar. O Botafogo pretende entrar com um recurso, e fala-se até em um possível indulto de Natal que o Presidente Médici poderia conceder, devido ao fato do Brito ter sido tricampeão mundial. E domingo tem Botafogo x Grêmio.
A Rádio Mundial AM era a onda do momento, e o grande sucesso eram as músicas internacionais. O LP (alguém se lembra do vinil?) Explosão Mundial era um grande hit: o lado A começava com There’s no more corn on the Brasos, depois vinha Mammy Blue, Imagine, You’ve got a friend, A poor mans e Joy. O lado B começava com Summer’s holliday, e depois Pop Concerto Show, World champion fool, Rain e Soley soley.
Os grupos musicais, presentes em todos os bailes de formatura e debutantes, eram os Solfas, TNT e CBV, enquanto a prata da casa, os grupos locais, eram Os Cobrinhas e Som Livre, comandados, respectivamente, pela Neli Gonçalves e pelo Sebastião Cri-Cri.
Epa, vou pra casa mais cedo, porque na TV Globo tem Sexta-feira Nobre e hoje o show é com a Elis Regina. Será que ela vai cantar Estrada do Sol?

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

RELEITURAS: O PRINCÍPIO DO INÍCIO 3

Foto publicada em http://caminhosverdesdeminas.com.br

São João Nepomuceno, 18 de novembro de 1971, quinta-feira.
A cidade, meio agitada, já preparava a organização de sua primeira Exposição Agropecuária e Industrial!
No murinho do Adil, muitas fofocas rolavam enquanto, entre uma paquera e outra, o tempo passava lentamente, como se não existisse.
No Bar do Bode, encontros e desencontros aconteciam enquanto, no auge do sucesso, Rubro Bar, Zoom Frutas e Botachopp faziam à cabeça e os passos da moçada.
Na “pedra da tipografia”, mural da Voz de São João, a notícia “bomba” era a suspensão do zagueiro Brito, do Botafogo, por um ano, por agressão ao juiz no jogo contra o Vasco.
E agora, perguntavam-se os botafoguenses: como é que o técnico Paraguaio vai escalar o time? O Djalma Dias e o Jairzinho também estão suspensos, e nem amadores o Botafogo tem, pois eles estão com a Seleção Brasileira na Colômbia.
Passado o clamor do futebol, a vida voltava ao normal nas ruas de São João.
As fábricas Sarmento, Dragão e Sylder, mais as de ferraduras, tampinhas, vassouras e outras, ditavam o progresso do município a todo vapor.
O Ginásio do Sr. Ubi era referência para todos, pois lá pulsavam os corações de uma juventude que sonhava, acordada, com um mundo mais justo e melhor. Ideias e energias eram canalizadas em competições esportivas e culturais, além da inesquecível fanfarra, sob a batuta do Beto Vampiro.
O novíssimo Clube Campestre era a nova opção de lazer oferecida pelo Clube Democráticos, enquanto, na sede, e junto com Trombeteiros e Operários, realizavam-se os inesquecíveis bailes de Carnaval, ocasião em que a Rua do Sarmento se enchia de foliões e curiosos, ávidos pelos desfiles das escolas de samba Esplendor do Morro, Avenida e Caxangá.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

RELEITURAS: O PRINCÍPIO DO INÍCIO 2

Cartaz do Cine Brasil em 17.11.1971

São João Nepomuceno, 17 de novembro de 1971, quarta-feira.
Serjão escuta a Rádio Globo: no sorteio dos jogos para as seminifinais do Campeonato Brasileiro, o Botafogo joga com o Grêmio, domingo que vem, no Estádio Olímpico.
Ontem, passeamos pela Rua do Sarmento mas, havia outra atração na cidade: o cinema, o Cine Brasil que, às vezes, arrastava multidões, principalmente nas quartas-feiras, hoje, quando ocorre a sessão do troco e todo mundo paga meia. Hoje a noite vai passar A Quadrilha da Fronteira, com o Lee Van Cleef. Lembram dele? Ele era o Feio, daquele filme do Clint Eastwood O Bom, O Mau e O Feio, que aqui no Brasil se chamava Três Homens em Conflito. Pois é, mas no filme de hoje, o Lee é o mocinho, Roy King, que, para vingar a perda da mulher Alicia (a doce, e bota doce nisso Gina Lollobrigida) para o revolucionário Francisco Paco Montero (James Mason), ajuda a roubar um milhão de dólares do governo mexicano.
Cinéfilo de carteirinha, o Jorge Marin estava sempre no cinema, geralmente com o Reynaldo Soares, da fábrica de vassouras, e o sr. José Henriques. Aguardavam, ansiosamente, os filmes que estavam sendo lançados nos cinemas do Rio, e só chegariam em São João, se chegassem, uns seis meses depois: 24 Horas de Le Mans, Love Story e Moscou Contra 007.
A sinuca do Cida era parada obrigatória para todos os rapazes que fingiam estar se concentrando no jogo mas ficavam de olho nas meninas (chamavam-se cocotinhas) que passavam. Enquanto as cocotinhas pareciam interessadas nos rapazes, mas se encantavam mesmo com o ritual daquele jogo, na época só para homens.
Ao longe, o barulho do semáforo da linha férrea anunciava a passagem do trem em frente ao Bar Central.
O negócio é ir pra casa. Dúvida cruel: Discoteca do Chacrinha na TV Globo ou Cidinha Livre na Tupi?

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

RELEITURAS: O PRINCÍPIO DO INÍCIO

Foto de Marcus Martins, publicada em www.galeriamm.com.br

Para relembrar os 40 ANOS DO GRUPO PYTOMBA, vamos reler os primeiros posts do Blog, que são também os primeiros relatos, os primeiros fatos, até mesmo os primeiros mitos. Como era o nosso mundão? - como diz o Serjão. Nestas releituras, que vão até o momento zero do Pytomba, no próximo dia 22, curiosamente e inexplicavelmente também o Dia do Músico, algumas observações poderão ser acrescentadas, novos detalhes e, quem se lembrar, pode comentar. A casa é de todos...
Há quarenta anos, exatamente no dia de hoje, era uma terça-feira em São João Nepomuceno. O feriado caíra na segunda e aproveitamos para emendar. Emendar feriado, naquele tempo, era ir, no máximo para a Cachoeira da Fumaça. Viagem para o Rio era uma aventura; para Cabo Frio então, demorava mais do que ir hoje para Nova Iorque.
Era uma vez, numa pacata cidade do interior de Minas Gerais.
16 de novembro de 1971 – Os jornais, na Banca dos Manzo, trazia as notícias do dia: 23 pessoas haviam feito 13 pontos na Loteria Esportiva e dividiriam o gordo prêmio de 11 milhões e 120 mil cruzeiros. Nada mal.
O dono da banca, botafoguense doente, discutia com o sr. Carlos Rocha sobre o assunto do dia: a possível punição ao zagueiro Brito, do Botafogo, que, no jogo com o Vasco, agredira o juiz José Aldo Pereira.
Curiosos passavam ali pela Praça Carlos Alves e acompanhavam a discussão. Só dava futebol: os times da Guanabara (lembram desse nome?) haviam se classificado para as semifinais do Campeonato Nacional e aguardavam a formação dos grupos.
Os habitantes de São João Nepomuceno, nos anos 70, não ficavam apenas em casa assistindo O Cafona (da líder de audiência TV Tupi) ou O Homem que Deve Morrer (da jovem TV Globo).
Essa novela, de Janete Clair, começava, pontualmente, às oito e cinco da noite, e tinha Tarcísio Meira, o médico Ciro Valdez, também mestre das religiões orientais que, para cumprir a missão de sua vida passada, voltava para Porto Azul, no interior de Santa Catarina, e reencontrava sua amada Esther (Glória Menezes), agora casada com o “do mau” Otto von Muller (Jardel Filho). A verdade é que, no dia em que o dr. Ciro fez um transplante de coração no malvado Otto, a cidade parou, pois transplante de coração era uma novidade na época (Christian Barnard havia feito a operação pioneira em 1968) e a esperta Janete Clair já lascou o assunto, na época restrito à revista Realidade, no horário nobre.
Mas, tirando esse dia, e o dia em que os dois protagonistas se beijaram pela primeira vez, as pessoas preferiam mesmo era passear na Rua do Sarmento.
Aquela terça-feira, com uma tremenda cara de segunda, terminou com as pessoas indo para casa mais cedo. Naquele tempo, era primavera nesta época do ano, fazia calor e ainda dávamos uma passadinha na TV Tupi para assistir o programa do Flávio Cavalcanti.
(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ASSOMBROSA PAIXÃO - FINAL

Papel de parede disponível em http://www.wallpaperhd.info/2011/04/_la-muerte-1448/

Enquanto isso, no cemitério, numa noite de tempestade:
- Se oceis precisa de fósfo, eu tem!
Só escutei essa voz, assim meio rouco e congelei. Olhei pro lado, e um vulto, que parecia estar carregando uma foice, descia o morro e já estava ali, pertinho da gente.

Minha amiga, após um grito de horror, me largou pra trás e, pelo mesmo caminho por onde veio, desceu apavorada. Busquei uma tangente e, correndo e pulando entre os túmulos, desci em disparada, procurando, a todo custo, chegar à saída.
Ainda no meio do caminho, outro susto! Fui surpreendido ao dar de cara com uma mulher que, parecendo que ia fazer o mesmo que nós, mesmo sem saber o que estava acontecendo, ao me ver assim, despinguelado, jogou um monte de velas pro alto e saiu correndo atrás de mim, gritando:
- Corre, moço! Corre, moço!
Chegamos, quase simultaneamente, os três, ao portão.
Saímos mais do que depressa para a rua e mal conseguíamos falar. Ficávamos olhando pra dentro do cemitério, como se não acreditando no que acabara de acontecer.
Só pode ser fruto de nossa imaginação, assim falávamos um pro outro.
Meu queixo tremia. Minhas pernas também.

No fundo, no fundo, tínhamos consciência de que tudo aquilo teria acontecido em função de uma simples histeria coletiva decorrente de muita adrenalina acumulada. Ou não!
Quando já nos preparávamos para virmos embora, eis que surge, em carne e osso, no portão principal, nossa suposta alma penada. Acredite quem quiser, mas era, nada mais nada menos, que um humilde senhor, por sinal muito simpático, funcionário do cemitério, que, naquele momento, estava terminando o serviço.
Saindo ele com uma enxada nas costas, ainda suja de cal, veio ao nosso encontro, rindo sem parar. Ironicamente, perguntou se havíamos encontrado fósforo e por quê teríamos corrido tanto.
Também rimos muito, e já bem mais calmos e relaxados, não acreditando no que nossa mente foi capaz de criar, após pegarmos um fósforo emprestado com um vizinho, resolvemos tentar mais uma vez.
Mal acabamos de entrar e, de repente, um gato preto pula repentinamente de cima de uma casinha em nossa direção. Numa barulhada danada, por pouco não cai em cima da gente. Nosso susto foi tão grande, que, dali mesmo, resolvemos desistir de vez.
Assim, boquiabertos e admirados, e sentindo na pele como a mente foi e é capaz de reagir em situações como esta, que fizemos as orações ali mesmo no portão, depois viemos embora com a sensação do dever cumprido.
E a chuva parou de vez. O céu se abriu em estrelas e uma enorme lua cheia nos fez companhia na volta.

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ? - III

Cena da novela "Morde e Assopra" da TV Globo

A vantagem de atender muitas mulheres no consultório e, principalmente, de ser casado com uma mulher, é que a gente vai aprendendo a olhar. E perceber as coisas que estão em volta.
A paciente coloca a bolsa Louis Vuitton em cima do divã, e se senta do lado. Está um pouco ansiosa, arruma o cabelo, relógio Michael Kors, acho que, se fumar fosse chique, ela iria pegar uma daquelas piteiras da Audrey Hepburn, e acender um Dunhill. Tenho que parar meus devaneios consumistas, porque a demanda está ali, pronta para explodir.
- Acho que a minha fibromialgia não tem mesmo jeito. Já tentei tudo: pilates, acupuntura, shiatsu, até mesmo um remédio importado que um amigo traz de Nova Iorque, mas nada. Eu não consigo nem dormir. O Carlos Maurício deita, depois do jogo do Fluminense dele, e dorme igual a uma pedra. E eu fico enrolando, com o tablet na mão, leio alguma coisa, e só vou dormir de madrugada.
Ela é gerente de uma multinacional e o marido trabalha em algum desses órgãos do Poder Judiciário. Levam uma vida financeiramente tranquila, moram num condomínio com vigilância 24 horas, viajam regularmente para o exterior, e têm carreiras aparentemente bem sucedidas. Lá, a miséria é de outra ordem:
- Chegou o resultado dos exames, meus e dele, e dizem que não temos nada. Tenho seguido todas as orientações médicas, leio tudo sobre fertilização humana, sou quase uma doutoranda no assunto, e não consigo engravidar...
Os olhos se enchem de lágrimas, disponibilizo a caixa de lenços de papel. Ela para de falar um pouco. Desde que seus pais se separaram, tem planejado sua vida nos mínimos detalhes, estudou Administração, namorou um colega de faculdade, colocou um DIU antes de ter a primeira relação sexual, temendo que um filho pudesse atrasar sua carreira, foi sempre a melhor aluna, casou-se tão logo concluído seu mestrado e começou a trabalhar nessa empresa. Nomeada gerente de divisão, resolveu então engravidar, mas não consegue, e preocupa-se:
- Já estou com 35 anos, daqui a pouco não vai mais ser possível. Por que é que isso acontece? Temos feito tudo direitinho, estamos bem... Por que, meu Deus, por que?
É impressionante como a pessoa constrói um castelo para si, vai morar lá dentro, onde se protege de tudo e de todos. Às vezes se apequena para caber na sua fortaleza e, uma vez emparedada, não recebe ninguém (nem um bebê?) e também não consegue sair.
- Os meus exames deram todos dentro dos parâmetros esperados, leucócitos, triglicérides, plaquetas, tudinho equilibrado. Fiz até esse novo exame, o antimulleriano, e os números estão todos em conformidade. (Disso eu não tinha dúvidas, penso.) E os do Carlos acho que também estão legais.
- Você não viu os exames dele? – pergunto.
- Não, mas ai dele se tiver alguma coisa e ele estiver me escondendo. Eu como ele vivo!
- Você come ele? – pergunto, me fazendo de desentendido.
- Como assim? – responde ela, devolvendo a pergunta e o “como”.

(Conto: Jorge Marin)

domingo, 6 de novembro de 2011

BELA PESSOA

Foto "catada" do orkut do Márcio Sabones

E a neve se foi, sol voltou.
Qual pytombense não se lembra desse refrão?
Mas o que talvez muitos não saibam é que essa letra não foi composta, não foi premeditada: ela simplesmente aconteceu, pintou, rolou na fala, floresceu. Foi numa sessão de gravação de um dos trabalhos do Pytomba, tipo jam session que esse cara, o aniversariante de hoje, o Bellini, pegou o microfone e, numa sequência que, a princípio, seria puramente instrumental, lascou o refrão.
Coisas de Bellini, meio panteísta, meio Peter Pan. Onde tem música da boa, lá está ele. Onde tem luz, também. Dança então, nem se fala! Carnaval, tá na banda. Cultura, tá no sangue.
Conheci o Bellini cantando no Bar Central (era um restaurante na época), voltei a encontrá-lo depois na Joia; no Xodó, dedilhando um teclado virtual numa música do Emmerson, Lake & Palmer; no teatro, fazendo o som da Bruxinha que Era Boa; no Cebolinha; na Boate Kako; no Trombeteiros; no Hibisco e no carnaval. Ah, e, lógico, no Pytomba. Dá pra notar que a pessoa é muito do bem: estar com o Bellini é encenar uma peça sem final, mas com um roteiro sempre divertido. Um dia, num dos ensaios da “Bruxinha” em que nenhuma das bruxinhas apareceram, subimos ao palco, eu e o Bellini. Representamos uma peça com diálogos inventados na hora e situações que iam se complicando, como num jogo de xadrez em que, a cada peça conquistada, os jogadores tomam uma garrafa de uísque. O resultado, caótico, foi aplaudido por um bando de gente que, passando ali em frente ao Democráticos, pensou se tratar de uma peça real. Perguntavam: de quem é a peça? Apontávamos um para o outro, e dizíamos ao mesmo tempo: dele! Pensando bem, será que existe alguma peça real?

Desejar hoje, ao Bellini, longevidade, é pleonasmo, porque ele é esse menino da Terra do Nunca, sempre. Desejar felicidade também é bobagem, porque o Bellini não veio ao mundo para viver: veio para fazer performance.
Desejo, como faziam os índios, muitas luas, traçando compassos (mil tons?), com passos, passeios e passaradas.
Bela pessoa, canto livre...

(Texto: Jorge Marin)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ASSOMBROSA PAIXÃO - CAPÍTULO 3

Arte digital por Keri LeMaster

De noite, no cemitério de São João, trovões, a chuva quase caindo e aquela gatinha, que eu já nem sei mais se queria tanto assim, irredutível:
- Temos que ir lá em cima... no Cruzeiro.
- Lá aonde? Cê tá brincando! Não sei se você sabe, mas o Cruzeiro fica quase no meio do cemitério! Tem certeza que não podemos rezar daqui mesmo?
- Serjão! Temos que acender a vela no Cruzeiro! Rapidinho a gente chega lá! Vamos logo antes que a chuva caia de vez - concluiu.
- Leve a mal não, mas daqui não passo nem a porrete!
- Se você não for, eu vou ter que ir sozinha! Já que viemos até aqui vamos fazer a coisa direito!
Aí, já pensando na minha reputação, e vendo a possibilidade dela subir sozinha, fui de imediato respondendo:
- Claro que vou! Mas precisa ser mesmo hoje? Não pode ser outro dia?
Então, após respirar fundo, lá fomos nós.
Enquanto subíamos, fui surpreendido quando, de repente, ela me deu a mão para caminharmos juntos. Fiquei todo assanhado e, por minutos, me esqueci até daquele cangaço que estava passando. Confesso que comecei até a gostar da ideia.
Subindo em passos largos e carregando uma vela na mão, começamos a nos aproximar.
Alguns pingos começaram novamente a cair. Relâmpagos cortando o céu e uma forte ventania chegou de vez.
Se existia algum poste no trajeto, deveriam estar todos eles com as lâmpadas queimadas, pois um breu total seguia nos acompanhando. Tínhamos, como única referência, os relâmpagos, que, vez ou outra, clareavam nosso caminho.
Enfim, conseguimos chegar até o Cruzeiro. Eu já estava suando, de medo e de emoção.
Silêncio total. A não ser o barulho do vento e dos trovões, não se escutava absolutamente mais nada.
- Vamo logo, vamo logo! Pedi que fosse o mais breve possível.
Enquanto ela rezava, eu ficava de olho no clarão dos relâmpagos, tentando monitorar cada centímetro ao nosso redor. De antemão, já havia dito que qualquer coisa diferente que se mexesse, eu despencaria de lá num pé só.
Nossa adrenalina estava tão aguçada, que um simples vaga-lume, que piscasse ao nosso redor, iria deflagrar uma correria sem precedentes.
Mas tudo foi transcorrendo dentro do possível, até que, ao pegar a vela pra acendê-la, fomos descobrir que havíamos nos esquecido dos fósforos.
- Vai ficar é apagada mesmo! - Pensei.
Ledo engano. Pois foi aí que a coisa danou de vez.
Neste exato momento, sob um forte clarão de relâmpago, uma voz pausada e grossa sussurrou próximo da gente:
- Se ôceis pricisá de fósfo, eu tem!
Aaaaaaaaai...
SEMANA QUE VEM: foice, fuga e gato preto, o último capítulo.

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PARABÉNS AO MAGNO!

Foto publicada no blog opinioesdomagno.blogspot.com

Hoje são chamados de Anos de Chumbo, mas até que levávamos numa boa. Sabíamos da violência, torturas, sacanagens e injustiças. Jovens, queríamos fazer alguma coisa, ouvíamos sobre a fundação de um partido, um tal de Movimento Democrático Brasileiro e que iriam até indicar um pedreiro para prefeito; o Pedro Caxambu. Loucura. Mas, fazer o quê, éramos loucos e, dentre nós, um especialmente louco e corajoso. Magro, com uma deficiência física, e uma aparência pacífica, mas, quando tentavam usurpar algum direito nosso, nem que fosse proibir que cantássemos “Pra não dizer que não falei de flores” no Bar do Augustinho, ali em frente ao Cine Brasil, esse magrelo arrumava um vozeirão, saindo não sei de onde, e urrava:
- MEGANHADA F.D.P.!!!
Carnavalesco de primeira hora, “engatava”, desde a Batalha de Confete, na quinta-feira, até as sete da manhã da Quarta-Feira de Cinzas, quando a voz nem saía, mas, de dedo em riste, ele fazia o compasso para uma turma de retardatários que teimávamos em não deixar o Carnaval ir embora.
- O Luiz Campos é o melhor compositor que eu conheço, dizia, e cantava “Viveiro de portas abertas” até o sol já queimar em nossas cabeças.
Depois chegava em casa. O “sêo” Batista (da farmácia) e a dona Carminha nem se espantavam em ver o filho chegar, todo pimpão, como se nada tivesse acontecido, tomar um café preto e, se bobear, ainda pegar um livro pra ler.
Eram tempos de sonho, e a gente sonhava muito. Mas esse cara, o magrinho, sonhava e brigava pelos sonhos. Uma hora estava numa república em Juiz de Fora, como estudante de Direito, em outra, num palanque, concorrendo à Câmara Municipal em São João.
Atrevido, visionário, boêmio, político, fundador do Jornal Novidade, primeira testemunha da fundação do Pytomba: esse é o Nilson Magno Baptista, sempre pronto a dar uma opinião, um incentivo, um elogio. Quem tem o privilégio de desfrutar a intimidade dessa figuraça humana sabe que não sai da conversa sem sorrir, sem se surpreender ou sem se impressionar com a versatilidade e a sede de confabular.

É por isso que, em meu nome e de todos os amigos do Pytomba, eu desejo ao Nilson: no mínimo, a longevidade do avô Alcebíades; na média, a respeitabilidade do pai, o “sêo” Batista; e, no máximo, toda a felicidade do mundo.
Parabéns, Nilsão!

(Texto: Jorge Marin)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ASSOMBROSA PAIXÃO - CAPÍTULO 2

Frame do filme Crepúsculo

Sabe essas noites que cê sai caminhando, sozinho, com a mão no bolso (na rua)... E você fica pensando naquela menina, você fica torcendo e querendo que ela estivesse (na sua)... Aí, finalmente, você encontra o broto (que felicidade, que felicidade). Aí, é ela que te convida pra uma quebrada. E eu, já com o coração saindo pela boca, escuto ela dizer:
- Serjão! - Imaginem aquele “serjão” pronunciado bem doce, bem txutxuca. E completou:
- Você não iria ao cemitério comigo me fazendo companhia?

Gelei. Não é que eu tenha medo de ir no cemitério de noite. Na verdade, eu tenho pavor de ir no cemitério, mesmo de dia. Mas, tudo em nome do amor:
- Claro que sim! – respondi, imponente.
Neste momento a chuva chegou de vez trazendo com ela muito vento e relâmpagos.
Saímos correndo e nos escondemos sob a marquise onde hoje é a Guarujá.
O tempo só ia piorando enquanto eu tentava, a todo custo, convencê-la a deixar aquela visita pra outro dia. Justificava, dizendo que aquele mau tempo estava fazendo escurecer muito depressa e, com certeza, iríamos nos molhar.
Pura ilusão. Não teve mesmo jeito e, após uma pequena estiagem, seguimos imediatamente rumo ao cemitério. Segundo ela, suas amigas haviam dito que aquelas intenções não poderiam ser quebradas um só dia. As minhas más intenções então, estas eu já tinha esquecido. Mas, sabem como é, aquele pedido meio chorado (ah, vamos, Serjão!), mais cabelinho molhado, os lábios assim pertinho de mim.
Aí, me lasquei de vez! Acho que vou mesmo ter que encarar essa, pensei.
O pior é que minha desculpa, o tempo, deu uma boa melhorada. E o arrependimento voltou, e já começava facilmente ser observado na minha sutil mudança de humor.
E assim, sob uma pequena chuva que ainda caía, fomos descendo rapidinho a avenida. Fui tentando, a todo custo, não perder a pose e muito menos as aparências. Tava difícil, mas não impossível. Soltei o meu pigarro característico e falei grosso.
Nisso, as luzes dos postes se acenderam e nós, já um tanto ressabiados, nos aproximamos do portão principal. Estava trancado.
Naquele momento, mal conseguíamos enxergar dentro do cemitério, pois havia escurecido de vez.
Como única opção, além é claro, a de tentar pular o muro frontal, somente nos restava apelar para o portão ao lado. E foi o que fizemos.
Não passava uma santa alma nas proximidades. E se dentro não estivesse acontecendo o mesmo? Meu Deus, o que é que eu vim fazer aqui? Fiquei pensando com meus botões.
Aquela rua que margeia o nosso campo santo estava que era barro puro, pois ainda não havia calçamento. Atola daqui, afunda dali, até que, em frente ao referido portãozinho, empacamos. Após olharmos um para o outro numa despistada agonia telepática, ficamos a desejar, esperançosos que a qualquer momento um de nos pudesse desistir. Pura ilusão!!!
Até que eu poderia ter me apoiado naquele velho ditado onde diz que devemos ter medo dos vivos e não dos mortos, mas, infelizmente, naquela época eu ainda não o conhecia.
E o tempo começou a piorar novamente enquanto alguns relâmpagos, rasgando o céu, ficavam a nos mostrar, num piscar de olhos, cada detalhe dos túmulos.
Mesmo assim, juntos e de uma só vez, passamos os dois espremidos naquele portãozinho. Não sei com que coragem, mas, quando vimos, já estávamos lá dentro.
Mal havíamos entrado e, de imediato, fui dando as ordens:
- Faça logo o que tem que fazer que daqui a pouco vai descer água!
Já tremendo de medo, e já quase implorando pra sair dali, tentava “calmamente” desta forma convencê-la. E o tempo só ia piorando. Nesta hora ela virou pra mim e disse:
- Aqui não pode! Temos que ir lá em cima até o Cruzeiro!
Aí trovejou forte. Continua na próxima semana...

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ? - II

Frame do filme Dom Juan de Marco

Ainda meio bolado pela última, aliás, primeira paciente, escuto a campainha e vou atender: é o paciente das 15 horas. Elétrico... é a primeira palavra que me vem à mente, não mostra dúvida em qual cadeira sentar, olha o relógio e parece um tanto incomodado de estar aqui.
No entanto, vai me fornecendo os seus dados pessoais e não demonstra inibições. Sabem aquele mistério: afinal de contas, por que é que esse cara, com tantas certezas, está aqui? Chegamos ao ponto:
- Minha noiva engravidou e estamos morando juntos...
Penso: finalmente um assunto comum, já que tantas pessoas, mesmo no meu tempo, já passamos. Digo “no meu tempo” porque esse jovem, até um pouco franzino, deve ter, no máximo, uns 25 anos.
Fiz aquela coisa horrível, que nenhum analista deve fazer: prejulguei, achando que o problema do paciente era semelhante àqueles com os quais estamos acostumados: o rapaz, fazendo mestrado ou pós, engravida a moça, resolvem se casar, mas têm que depender dos pais, até poderem caminhar com as próprias pernas, certo? Errado!
- Eu tenho uma situação financeira estável. Criei um aplicativo para celular que foi comprado por uma multinacional, e posso ficar tranquilo, em meu apartamento, bolando meus programas. Mas agora, com a Gabi morando comigo, fica impossível receber outras mulheres para transar.
Faço cara de trailer de filme de arte, mas minha vontade é perguntar: como assim, mulheres?
- Eu sempre tive muitas mulheres. Antes, eu transava nos lugares mais bizarros, tipo posto de gasolina, banheiro de bar gay, mesa de sinuca, mirante, essas coisas. Depois que comprei meu apartamento, eu prefiro levar para lá, para dar mais privacidade, sabe como é né?
Como não sei, não faço o menor movimento.
- Agora me sinto completamente tolhido. Não consigo entender esse lance de monogamia porque acho tudo muito ilógico. Preciso do contato de outras mulheres pra me sentir vivo. Estou me sentindo como um padre porque, depois que casei, tive que fazer voto de castidade com as outras mulheres. Acho isso tremendamente injusto!
Quebro o silêncio:
- Então você acha injusto pessoas casadas não poderem fazer sexo com outras pessoas?
- Eu sei aonde você quer chegar – o cara fica irado (ih, já estou falando igual a outra paciente) – você quer que eu lhe diga se concordo que a minha mulher faça a mesma coisa?
- Você quer dizer?
- É claro: não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eu tenho minhas necessidades, mas ela não se liga muito nesse lance de sexo com várias pessoas diferentes. Por que é que eu teria que me preocupar com ela?
- Com o desejo dela? – completo.
- O que é que você quer dizer com desejo dela? – pergunta o jovem marido. E fica me olhando...

(Conto – Jorge Marin)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

ASSOMBROSA PAIXÃO - CAPÍTULO 1

Arte digital por Ashlie Dawn Nelson

Hoje, após terminar meu dia na oficina, fui ao SESI buscar o histórico de meu filho para alguns trâmites de transferência.
Era noitinha e, enquanto vinha tranquilamente fazendo meu caminho de volta, ao passar em frente de nosso campo santo, lembrei-me de um fato que ocorreu comigo.
Pra ser sincero, não saberia dizer se foi uma feliz ou infeliz recordação. Na verdade mesmo, a única coisa que posso afirmar é que foi verdadeiro. Daí a dizer que foi prazeroso, é outra coisa. Talvez um pouquinho de cada.

Mas foi assim que tudo começou:
Eu estava, numa tarde noite de segunda-feira de 1972, vindo pra casa, quando, ali naquele local onde hoje é o calçadão, mais precisamente próximo àquele relógio digital, encontrei com uma amiga que eu estava paquerando há quase um ano. Sabem aquelas primeiras paixões de adolescência? Aí vocês já imaginam: enquanto o coração começou a bater mais forte e as mãos ficarem suadas e frias, fui, de imediato, falar com ela. Só não poderia jamais imaginar que aquele nosso encontro iria me colocar numa situação um tanto embaraçosa e delicada.
Hoje, diriam que paguei o maior mico, mas, naquela época, como a turma pegava menos pesado, tudo não passou mesmo de uma simples aventura, além, é claro, da imagem que deixei: a de um tremendo cagão!
Mas, voltando àquele meu encontro, ao vê-la sozinha descendo a Rua do Sarmento, aparentemente com pressa, fui logo perguntando qual o motivo de estar ela na rua naquele horário. Era uma segunda-feira e, além de ventar pra caramba, havia o prenúncio de uma forte chuva.
Naquele momento, folhas e restos de papéis começavam a passar voando sobre nossas cabeças, parecendo querer avisar que seria um entardecer nada romântico. Pra não dizer um desastre.
Desta forma, aproximando-me dela, fiquei imaginando que, no mínimo, iria me convidar para acompanhá-la até a esquina de sua casa. Nesta época, ela morava na Rua Comendador José Medina e, por algumas vezes, já havia feito este pedido a mim.
Então, um tanto eufórico, e já me preparando pra dizer sim, ela simplesmente vira pra mim e diz:
- Serjão! Só você pode me ajudar! Você caiu mesmo do céu! Mas tenho quase certeza que vai dizer não!
- Que foi? Diga logo! É só pedir! - respondi sem pestanejar.
Prosseguido então, veio dizendo:
-É que venho fazendo uma novena todas as quintas-feiras, indo até a igrejinha de Santa Rita rezar!
- Tudo bem, mas hoje não é quinta, estamos ainda na segunda!
- Pois é, aí que entra sua ajuda! - disse ela.
- Como assim? - um tanto apreensivo, perguntei.
- É que, em todas as segundas feiras, juntamente com algumas amigas, vou ao cemitério fazer orações em intenção às almas! Pior de tudo foi que hoje me atrasei, minhas amigas não puderam vir e já está ficando escuro!
Lasquei-me de vez! - disse pra mim mesmo, já imaginando o que ela iria me pedir.
E não deu outra:
- Serjão, você não iria ao cemitério comigo me fazendo companhia?
Na semana que vem, vocês serão testemunhas de uma das maiores burrices da minha vida, e de um dos maiores apertos que eu passei. Aquele clip, do Michael Jackson, que nós postamos na semana passada – o Thriller – é fichinha. Aguardem...

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ?

Ilustração publicada no site http://www.jogosdemeninas.cc

Essa moça entra pelo meu consultório e parece estranhamente forte, tem ombros largos mas o abdômen é um pouco cheinho, revela uma tatuagem na base das costas, um tribal, e masca um chiclete, piercing na sobrancelha esquerda.
Afastado há uns dez anos da clínica, me sinto meio enferrujado, e sou surpreendido pela pergunta:
- Você quer que eu te chame de você ou senhor?
- Como é que você quer me chamar? – a velha raquetada ainda funciona.
- É que meu avô exigia que eu chamasse ele de senhor. Aí, não sei porquê, mas me lembrei dele.
- Fale do seu avô.
- Ele era uma pessoa muito do bem. Gostava de tudo muito direito, não falava gíria, não xingava palavrão, era muito carinhoso e completamente apaixonado pela minha avó, que era uma megera. Véi, a mulher era muito sinistra. E meu avô era só “meu amor” pra cá, “meu amor” pra lá. Sacanagem, ele morreu de câncer. Eu gostava dele pra caramba. Até hoje, guardo aquele “santinho” dele. Sabe aquele lance que dão na missa de sétimo dia? Eu guardo dentro da minha agenda. Sei lá pra quê, né? Afinal, morreu, acabou...
Abaixa a cabeça e fica pensando, acho que ela vai chorar e já preparo a caixinha de lenços de papel. Mas ela se solta, estica, quase deita na poltrona:
- Minha mãe se liga nesse papo de vida após a morte, vai nuns centros espíritas de vez em quando, maior viagem.
- E você?
- Ah, quando eu tava com depressão, ela me obrigava a ir junto, tomar passe. Depois, me levava na igreja também, e brigava comigo porque queria que eu comungasse. Eu não queria, mas acabava comendo aquele trocinho lá.
A hóstia, penso comigo, mas não falo. Nina tem vinte e dois anos, fez vestibular para Comunicação, mas não passou na federal. O pai, que é separado da mãe, pagou uma faculdade particular: ela matava muitas aulas, ia pros bares em frente. Acabou por desistir do curso. A mãe fez um escarcéu, culpou o pai, e Nina ficou meio desorientada, a mãe afirma que ela teve depressão, mas ela não apresenta sinais de ter estado deprimida.
- Cara, fui no Rock’n Rio, no sábado. Achei o Maroon Five muito irado, mas o tal do Maná é muito paia. Cê tá ligado no Cold Play?
Não é do meu tempo, penso, o Cold Play já é quase da virada do século, e ela continua falando.
- Zuamos até umas sete da manhã, depois voltamos na van, chegamos quase onze horas. Passei um torpedo pra louca da minha mãe, dizendo que estava na casa da Cris, mas fui dormir no apartamento do meu amigo Max. O cara é completamente sem noção...
Fico um pouco atordoado, porque a verborragia é a mesma da época em que parei, só que o ritmo é muito mais rápido, como se ela teclasse ao falar.
- Olha, mas a gente não transou não, tá? Também, do jeito que a gente tava, acho que foi um milagre ter acordado. Já tava de noite. No computador dele, tava passando o show dos Detonautas e aí...
- Seu tempo acabou. Até a semana que vem.
Ela sai e eu fico pensando: será que o tempo passou muito depressa nestes últimos dez anos?

(Conto: Jorge Marin)

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL