quinta-feira, 30 de junho de 2011

UM GOLEIRO (SE) DEFENDE

Foto de Chico Picadinho, por Pedro Ivo Prates

A principal atividade do goleiro é a defesa, não é mesmo? Mas, às vezes, a coisa passa um pouco dos limites, e a gente se pergunta: meu Deus, já não estou entendendo mais nada! Estou falando do famoso goleiro, acusado de matar a ex-amante e que vem sendo mantido preso numa penitenciária em Contagem. Convidado, pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, para depor numa audiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, lá chegou ele, todo pimpão, em seu uniforme de presidiário, sem algemas, de braço dado com a noiva, barbeado e de cabelos longos.
Quem leu, aqui no blog, o post sobre sociopatas, não deve ter se espantado com a apresentação do ex-atleta: além de denunciar o delegado e a juíza de direito, chorou dramaticamente, beijou a noiva, exibindo a aliança, desqualificou a falecida mãe do seu filho, e ainda fez ameaças, dizendo que “vai sair da cela de cabeça erguida” e outras bravatas.
A imprensa, naturalmente, cumpriu o seu papel de reproduzir e ampliar as declarações do suposto autor do crime, divulgando opiniões de juristas, psicólogos, ex-policiais e outros experts das artes penais brasileiras. Um autêntico show de defesas, não muito difíceis já que estamos falando de um goleiro, e, se encarado do ponto de vista jurídico, também facilitado e encenado por uma bem treinada equipe de advogados que, utilizando-se da notoriedade do acusado, aproveitaram para tentar mobilizar a opinião pública, o que antigamente se chamava “sacanear”, mas hoje atende pelo nome pomposo de “engenharia social”.
Ou seja, os advogados elaboram um script, ensaiam com o seu cliente, este repete as falas, com lágrimas nos olhos, mansidão no olhar e, pronto: consegue a empatia e a simpatia da massa. O júri popular vai sendo adiado, e adiado, e adiado e, no fim das contas, quem leva a pior mesmo, ou levou, foi a tal moça, que se envolveu com o atleta, e desapareceu sem deixar nenhuma pista.
Meu objetivo aqui não é emitir nenhum parecer jurídico, mesmo porque não tenho qualificação para tanto, nem passar atestado de psicopatia. No entanto, toda esta propaganda só reforça o que foi dito antes: o sucesso dos sociopatas, seja para não pagar pensão alimentícia ou para vencer eleições, é diretamente (repito, diretamente) proporcional à nossa incapacidade para manter esses indivíduos afastados da sociedade. Consternados, insistimos em criar escorpiões e, inevitavelmente, levamos um ferroada. O escorpião ferroa porque esta é a natureza dele, e nós somos ferroados porque nos deixamos envolver por essas criaturas, não só pelos aracnídeos.
Lembro um caso famoso aqui no Brasil, do assassino conhecido como Chico Picadinho que, condenado por matar uma garota de programa em 1966, foi libertado, por bom comportamento, em 1974, e, logo depois, o que fez? Matou outra garota de programa, e, da mesma forma como fez anteriormente, desmembrou-a, cortou em pequenos pedaços, e tentou desfazer-se do corpo, jogando-o aos poucos pelo vaso sanitário. Este sujeito está preso e, quando entrevistado pela especialista em serial killers, Ilana Casoy, questionou-a pelo fato de ser considerado um assassino em série, pois, segundo ele, o FBI só faz esse tipo de classificação para criminosos que tenham matado, no mínimo, três pessoas.
E, desta forma, cada um se defende como pode, e da forma como a maioria de nós faz: colocando a culpa no outro, no mundo, na sociedade e até no senhor das trevas. Um dia, talvez, nos façamos a pergunta principal, a única que talvez valesse a pena se questionar: quando é que vamos, cada um de nós, romper com o condicionamento de milhares e milhares de anos, e resolver, de uma vez por todas, erradicar a violência, a de fora, e a de dentro?

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151


Capítulo 7 - Seis homens e uma sandália (duas, na verdade)

Na semana passada, como devem estar lembrados era dia 1º de maio de 1976, e muita coisa estava acontecendo: Aldo Moro renunciava na Itália, o Brasil comemorava a inauguração do terceiro alto forno da CSN em Volta Redonda, mas, mais importante do que tudo isto, em São João Nepomuceno, na sede do Tiro de Guerra 04-151, quatro atiradores aguardavam a visita importante do Dr. José de Castro de Azevedo: 18, 12 e 15, fardados, e o 39, de farda e sandálias Havaianas, as legítimas (fique de olho na marca, lembram?).
O Sargento, como sempre fazia, levou primeiramente a visita até sua sala e ficou mostrando alguma coisa, fazendo algum comentário. Depois, convidou o ilustre juiz a ir até a sala de instrução. E surpreendeu-se com o que encontrou: os quatro atiradores fardados, porém, descalços; os quatro, de pé no chão! Eu conhecia o Dr. José de Azevedo, do meu trabalho no Banco Nacional, e o cumprimentei, explicando:
- Desculpe, doutor, mas, como o sol está bom hoje, resolvemos lavar todo o salão, e já estamos terminando.
O Sargento ainda olhou, desconfiado, para aquele tantinho de água com sabão jogado às pressas no chão, mas, como não queria nenhum vexame com a visita, falou:
- Tudo bem, 18, mas não se esqueçam que temos que baixar a bandeira mais tarde! – e retirou-se com o magistrado.
O 15 falou:
- Esta foi por pouco, 18. Que brilhante ideia esta de fingir que estávamos lavando a sala de instrução!
Sem prestar muita atenção, falei pro 39:
- Corre lá na sua casa, agora, e volta com seu coturno. E engraxado!
O 12 pediu para dar um pulinho em casa também, para assistir “Os Waltons”, mas era pura brincadeira. O 15 veio correndo, com a garrafinha do 39 na mão, e pediu para que ele trouxesse mais “café” porque tinha acabado, mas eu sabia bem do que era feito aquele café.
Estranhamente, daí para a tarde, a coisa transcorreu normal: o 39 voltou com o coturno, e com mais “café”, desta vez numa garrafona maior. O 24 veio por volta das 6 horas, com a corneta, recolhemos o Pavilhão Nacional e guardamos naquela caixinha com porta de vidro. Depois foram, o 24 e o Sargento, embora. E ficamos só nós, e a garrafa de café. Não precisa nem dizer que foi uma risaiada só. O 12 e o 15 já eram dois palhaços natos e, a cada bicada no “café” do 39, a coisa ficava mais engraçada.
Foi chegando a hora de dormir e fiz a escala do pessoal que ia ficar na guarita lá fora. Colocamos o 39, que estava bem pior do que todo mundo, na primeira escala porque, se ele dormisse, a gente ainda estaria acordado, e também porque sabíamos que, se ele apagasse, não ia ter força que o fizesse levantar.
Peguei as três colchas que não poderiam ser usadas EM HIPÓTESE ALGUMA, e coloquei, com todo carinho, em cima da mesinha do quarto, guardando-as com a minha própria vida. Luzes apagadas, fomos dormir.
Já era mais de uma da manhã, quando a tragédia aconteceu: uma briga, que teria começado no baile dos trabalhadores, na ESACA, veio descendo pela rua abaixo, com muita pancadaria e xingamentos, e veio parar... onde, onde, onde? Exatamente: em frente ao portão do nosso TG. O 12, que estava se preparando para render o 39, perguntou:
- Ô 18, os caras tão aprontando a maior confusão aí em frente. O que é que a gente faz?
- Gente, a bagunça é na rua. Acho que a Polícia é que tem que resolver porque, até agora, não é problema nosso. Vamos só ficar atentos!
Mal acabei de falar, PÁÁÁ, jogam um pedra na porta de entrada. Volta o 12, dizendo:
-Acho que acertaram o 39, porque ele está deitado lá no chão. O 15 pergunta:
- O que é que a gente faz,18?
Vejam, na próxima semana, “Feito nas colcha” (desse jeito, como o 13 falava). Não percam!

(Crônica: Jorge Marin / Ideia original: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

NUM QUINTAL QUALQUER DE SÃO JOÃO

Foto de Vale da Neblina (PB) disponível em flicker.com

Normalmente, tento não ser saudosista, porque há uma tendência a se pensar nos tempos antigos como “bons tempos” e até uma ideia – falsa – de pensar que antigamente as pessoas eram melhores, quando, na realidade, talvez nós é que fôssemos mais felizes porque mais jovens, mais entusiastas e mais energéticos.
Mas, nos últimos dias, tenho sido vítima do que minha mulher chama de ataque de nostalgia, e tenho me lembrado de detalhes incríveis do quintal da minha casa de menino. Confesso que tenho pena das crianças e dos jovens dos dias de hoje porque nada, mas nada mesmo, pode se comparar à explosão de vida que eram os quintais do nosso tempo de infância.
Tínhamos um pé de limão que é até uma indelicadeza chamá-lo assim porque, de fato, era um enorme limoeiro, com galhos enrodilhados e espinhos enormes e, pensando nele hoje, era como se fosse uma galáxia, pois abrigava, em suas flores, uma colônia de abelhas que ali retiravam o pólen e conviviam pacificamente conosco. Não exagero quando digo galáxia: quem se aproximasse podia ouvir o zumbido constante das abelhas e sua movimentação frenética.
Mas a explosão de vida não parava por aí: tínhamos uma goiabeira, umas oito mangueiras, além de um pé de limão-mexerica, de jabuticaba, fruta do conde, carambola, amora, pitanga, laranja, lima, e mais bananeiras, além de outras árvores bobas, que não davam nenhum tipo de fruto. Sem contar a horta, com couve, alface, tomate, abóbora, cebolinha, chuchu, jiló, inhame, e salsa, hortelã, camomila e outro tanto de ervas que eram usadas para tratar dos mais diversos tipos de doença.
Do outro lado, no quintal do meu padrinho, Manoel Florindo, que foi o sacristão do Padre Trajano, ficavam as criações: galinhas de todos os tipos e, às vezes, um pequeno chiqueirinho, com uma leitoa. O meu padrinho passava as tardes esculpindo, em madeira, os mais diversos brinquedos e utensílios. Fazia tabuleiros de dama, carrinhos – até mesmo grandes para a gente dirigir, resta-um, bilboquê e um sem número de espadas, tudo entalhado, lixado e polido.
Este post está parecendo uma redação escolar, mas, lembrar de tudo isso, me remete ao meu tempo de criança, tempo em que não precisávamos desejar, porque tínhamos tudo: arco e flecha, bola, atiradeira, bodoque, jogo de botão de tampinha de relógio, coleção de papel de cigarro pra fazer cinto e até índio de brinde do Toddy.
Chego com meu filho da escola e, ainda com o quintal na cabeça, ele me pede pra ir numa destas lanchonetes de fast food. Aproveito que, inspirado, fiz umas compras, e pergunto se ele sabe a diferença entre laranja e mexerica. Ele diz que não. Peço que ele se sente à mesa, e começo a exibir minhas preciosidades: isto aqui é uma mexerica, isto é uma tangerina, uma ponkan, uma laranja campista, e esta última uma laranja pera natal. Ele se encanta: como não tinha intimidade, achava que tudo era laranja. Ensino a descascar uma mexerica. Depois descasco uma laranja, peço para girar a casca enquanto falamos o alfabeto; digo que, quando a casca se romper, guardar a letra, pois essa será a inicial do nome da sua futura mulher. Por um momento, consigo conquistar a audiência, batendo Ben 10 e até o Chaves.
A mãe dele pergunta o que estamos fazendo e ele responde: o pai tá dando uma aula de cítricos, mamãe!
Ainda penso que achar o que não se procura é mais fácil do que procurar o que já se perdeu...

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Foto de Suzana Fontes publicada no blog www.fotolog.com.br/suzanafontes/85708395.

Capítulo 6 - A Batalha Havaiana

- Atirador 18, do Tiro de Guerra 04-151! - eu me apresentei, mas minha cabeça ficava martelando “cadê o 39?”, “cadê o 39?”.
- Cadê o 39? – perguntou o Sargento.
Gelei. Se eu falo que ele não chegou, eu teria que ter informado antes. Se eu falo que ele chegou, ele vai mandar chamar.
- É o seguinte, sargento... ele... – mas, desta vez, a sorte me sorriu, e também o 39, que chegou com uma garrafinha na mão e na maior tranquilidade, apesar do atraso.
- Dezoito, disse o sargento, você sabe que tem que estar todo mundo fardado na hora do arreamento da bandeira, não é? Eu concordei. Pois é, mas eu quero todos fardados depois do almoço, porque o Diretor do Tiro de Guerra, o Dr. José de Castro Azevedo, vem nos fazer uma visita aqui à tarde.
Eu conhecia o Dr. José de Azevedo, era, além de 2º Tenente, o Juiz de Direito da cidade, uma pessoa que a minha mãe definia como “bonachão” e eu achava que era gordo. Mais tarde, descobri que se tratava de uma pessoa que tem uma bondade natural. E o adjetivo fazia jus à pessoa. Mas, como nosso comandante já era estudante de Direito, imaginei que ele iria querer fazer bonito com o Juiz, e fiquei mais preocupado ainda.
- Ô, 18! – chamou novamente o Sargento, tome estas colchas, são novinhas, e amanhã, antes de passar a guarda para o 31, estenda nas camas. Mas, olhe só, EM HIPÓTESE ALGUMA, vocês devem usar estas roupas de cama. É só para ficar nas camas amanhã!
- Sim, senhor.
Feita toda essa preleção, iniciamos o serviço, com aquelas tarefas de rotina: varrer o pátio, limpar os banheiros, arrumar a sala do Sargento.
Quando chegou a hora do almoço, já estava quase tudo pronto, e fui liberando os atiradores para irem almoçar em casa, mas que retornassem com as fardas, que, a esta altura, já deveria estar lavadas e passadas. O 12 e o 15 foram primeiro e, quando voltaram, fomos eu e o 39.
Quando eu retornei, todos já estavam na sede, e, como já eram quase três da tarde, pedi que vestíssemos as fardas, pois receberíamos a visita do Diretor do Tiro de Guerra. Fomos para o banheiro, vestimos as fardas, e fui conferir se a sala de instrução estava de acordo, para não darmos vexame.
Os três atiradores vieram, todos com as fardas passadinhas, mas uma coisa me chamou a atenção: o 39 estava de farda, mas calçado com uma sandália Havaiana!
- Cadê o seu coturno, 39? – perguntei, um tanto apreensivo.
- Uai, ficou lá em casa, 18! Você disse que era pra trazer a farda, aí eu trusse.
Uma notícia desse tipo não podia ser pior (o cara morava lá nas Casas Populares), mas, em se tratando de Tiro, sempre pode piorar:
- 18! 18! – veio correndo o 15 – O home tá chegando aí com o tal juiz, já estão subindo as escadas.
Se, pelo menos, naquele tempo, as sandálias Havaianas tivessem a fama que têm hoje, talvez eu até pudesse impressionar os meus chefes, mas, como apresentar uma guarnição com um cara de farda e chinelo?
Escutei a porta da frente se abrindo. E agora?
Leiam, na próxima semana, a estratégia para sair desta emboscada. E mais: pancadaria, ataque à sede, e um acidente que jamais deveria ter acontecido. Não percam!

(Crônica: Jorge Marin / Ideia original: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O KIT GAY

Arte digital por The Raevyn

Curtindo a festinha de aniversário do meu filho, em sua escola, uma mãe de um colega dele me chama do lado e pergunta:
- Será que tem perigo deles distribuírem o kit gay aqui na escola?
Fiz aquela cara de “como assim?” e tranquilizei-a dizendo que provavelmente não, e que ela deveria ficar tranquila. Depois, corri para casa, para perguntar ao meu amigo Google sobre esta coisa tão “perigosa” chamada Kit Gay. Descubro que é um DVD, com cenas de homossexualismo, encomendado pelo MEC, e pago com recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), e destinado aos estudantes de escolas públicas, com o objetivo, segundo os órgãos governamentais, de combater a homofobia dentro das instituições escolares.
Como sempre, nestas questões novas, somos tentados a tomar partido. Eu, a princípio, sou a favor de qualquer iniciativa que incentive o respeito: respeito aos gays, ou respeito aos idosos, ou respeito às autoridades, ou respeito às leis. O respeito é uma coisa assim tão óbvia quanto inobservada, e isto pode ser visto dentro das instituições, dentro dos lares e até dentro de nós (o autorrespeito, também está negligenciado).
Aí, leio que a Presidente Dilma suspendeu a aplicação do kit gay. Imediatamente me revolto: eu sei o que ela quer, ela quer é fazer média com a bancada conservadora, com os pastores e os bolsonaros! Incorporo o meu ego adolescente, e vou pra rua falar mal da presidente. Antes de abrir a porta, meus cinquenta e poucos anos pesam, e penso naquela mãe da escolinha: será que tem perigo? E resolvo procurar, na Internet, a tal campanha, até mesmo porque fico extremamente curioso como fazer para um bando de estudantes, que adoram malhar qualquer diferença (vejam o caso da Geisy Arruda, quase apedrejada por andar de saia curta), comportarem-se como pessoas civilizadas.
No primeiro filme, um garoto, jogador de futebol, resolve pintar as unhas de vermelho, muda o nome para Bianca, e fica meio revoltado porque os professores insistem em, na hora da chamada, nomeá-lo de José Ricardo (vejam que incompreensão!) e o Zé, aliás, a Bianca, ainda dá um flertada com o seu antigo colega de time.
No segundo filme, duas garotas são execradas pela turma, porque ficaram juntas em uma festa, mas resolvem encarar todo mundo e, no final, dão um beijaço, carinho este cortado pois, segundo o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro: “nós ficamos três meses discutindo um beijo lésbico na boca, até onde entrava a língua e acabamos cortando o beijo.”
O terceiro filme mostra um garoto chamado Leonardo, que, segundo a narração, precisa se mudar, mas é de cidade. Ele deixa a namorada pra trás e, na nova cidade, acaba se apaixonando por um rapaz, e o filme deixa uma conclusão: se você gostar de garotos e garotas, você tem 100% de chance de encontrar uma pessoa por quem se apaixonar.
Ora, ora, assim fica difícil julgar, porque uma causa que merece todo o respeito e toda a atenção que é a violência praticada contra pessoas ditas “diferentes”, acaba naufragando numa campanha publicitária que parece querer nos convencer o quão inadequado é esse jeito hétero de ser. Sabemos que uma das piores discriminações que existem nas escolas é praticada contra os jovens homossexuais, e eu digo pior, porque, na maioria dos casos, a violência continua em casa. Mas, francamente, gastar dinheiro público – e vejam como o pessoal de Brasília tem tempo! – para produzir uma peça publicitária descaradamente pró-gay, me parece totalmente inadequado.
Liguei pra mãe do coleguinha do meu filho, e fui logo falando: eu acho que a gente precisa parar com esse negócio de ficar cuidando da vida dos outros, e ensinar isso para os nossos filhos!
Coincidentemente, o meu filho entra correndo, e me conta que um coleguinha disse que o cantor preferido dele é gay. Pergunto: se ele for gay, ele vai deixar de ser um bom cantor? Meu filho acena com a cabeça que não. Então, continuo, se ele for gay, você vai deixar de gostar dele? Novamente um não. E eu concluo: então fala pro seu coleguinha parar de encher o saco! E, aqui para nós, isso vale também para o governo, para a imprensa, para os conservadores (todos) e para os ativistas (te todas as orientações sexuais). Vamos proteger, sim, as nossas crianças, mas sem proselitismos idiotas!

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Frame da série Soldado Quiçassa da TV Paraná

Capítulo 5 - 0039 Nunca Mais Outra Vez

NA SEMANA PASSADA, como bem recordam... Bom, na verdade, o causo era para ter terminado, mas o Serjão acabou falando demais: “cada um de vocês guarda na mochila muitas histórias pra contar”. Aí, eu não resisti, pedi emprestado este espaço nobre das sextas-feiras, e vou falar um pouco desta “emoção” de ser atirador.
Pra início de conversa, detestávamos a ideia de servir o Tiro de Guerra, imagino que um pensamento comum a todo adolescente. Acho que tem a ver com aquela “onipotência” própria dos jovens, que gostam de contestar, de pensar que os pais não sabem nada, e se acharem os tais, indestrutíveis, imortais e irresistíveis.
Mal sabíamos nós, e mal sabem também os jovens hoje, que o Tiro de Guerra é um tipo de iniciação que marca a vida de qualquer rapaz e, na forma bruta de disciplinar, fornece exatamente a dose certa de postura, a exata medida de civilidade e, por que não dizer, a autenticação da virilidade, porque, ao contrário das moças, que se transformam em mulheres assim, de uma hora para outra, os rapazes, antes do Tiro de Guerra, não podem ser exatamente classificados como homens. Uma prova disso é que a maioria daquelas colegas nossas, que morríamos de vontade de ficar (acho que, na época, ficar era paquerar), ficavam com os caras mais velhos.
A turma do Serjão se formou e uma outra iniciou. E lá estava eu. Era dia 1º de maio de 1976, e não podia ser mais sem graça: era feriado mas era sábado, e estávamos de guarda, eu, o 12, o 15 e o 39. Normalmente, seriam escalados o 12, o 13 e o 14. Mas o 13 tinha ganhado uma folga porque doou sangue, e acho que o Sargento dispensou o 14, que trabalhava na fábrica. Hoje ele é açougueiro, aqui em Juiz de Fora, se é que não se aposentou. Naquele tempo, éramos rapazinhos mas já trabalhávamos e ganhávamos nosso próprio salário, exatos 768 cruzeiros a partir daquele fatídico primeiro de maio, graças ao amado – e não se podia dizer diferente – Presidente Geisel.
Como não tinha instrução, recebi o serviço diretamente do 2, que tinha sido o cabo da sexta-feira. O 2 era um cara sério e gostava de tudo muito direitinho, talvez porque o pai dele, do qual herdara o nome, também era uma pessoa muito austera. Moravam ali perto do fórum e parece que aquela rigidez acompanhava o 2, que adorava chamar a atenção dos seus comandados e, pela sua seriedade, acabou atraindo uma certa antipatia da galera. Prova disso é que a maior desgraça que pode acontecer com um atirador aconteceu com o 2, e foi comemorada com cervejada por um bando de sacanas, e até por dois cabos que não deveriam estar lá naquela esbórnia, e estávamos, eu e o 10 (o 10 é da família Pytomba).
Mas, receber o serviço do 2 era tranquilo porque, geralmente, estava tudo “sem alteração”, como dizíamos.
Ah, vocês querem saber qual é a desgraça que aconteceu com o 2? Pois é, aprendemos, desde o primeiro dia em que pegamos no mosquetão que a peça mais sensível, e que não poderia ser danificada de jeito nenhum, era a ponta do percursor, sob pena do atirador que o danificasse ter que ir pessoalmente a Itajubá repor a peça com dinheiro do próprio bolso. Então foi isso: o 2 conseguiu quebrar a ponta do percursor! E tinha uma turminha, que ele teria anotado o nome porque estava conversando na procissão do enterro (na Semana Santa), que nunca o perdoou e fez “aquela” comemoração.
Bom, lá estávamos, com nossas roupinhas civis (porque, como eu disse, não teve instrução naquele dia) recebendo a guarda, a bandeira nacional já havia sido hasteada, já que era feriado nacional) e o 2, com uma cara meio grave, veio falando, em particular:
- “Olha, 18, cê toma cuidado porque amanhã cedo vem aí um cara do Ministério do Exército para fazer uma vistoria e o Sargento tá todo preocupado. Vê lá, porque, com o 12 e o 15 juntos, na guarda, você está ferrado!”
Eu entendi a preocupação dele: o 12 e o 15 eram os dois caras mais gozadores da turma, exceto, talvez, o 10, mas este era armeiro e não participava muito das guardas, a não ser quando de castigo. 12 e 15 eram sinônimo de risada, o mesmo que juntar Didi e Dedé, ou Gordo e Magro, ou Casseta e Planeta. Mas eram pessoas fantásticas: competentes, responsáveis, mas realmente muito bagunceiros para os critérios do 2. E o 39... Cadê o 39? A gente sabia que o 39 era chegado nuns “goró”, nada muito exagerado, mas o bastante pra deixar o rapaz meio zuadão. E o que não sabíamos era que, naquela guarda, a mais longa de todas as guardas, o 39 iria ser o responsável por muitos sustos, apertos a aflições. Aguardem então: na próxima, semana, A Mais Longa de Todas as Guardas.

(Crônica: Jorge Marin / Ideia original: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A ARTE DE CRIAR ESCORPIÕES

Ted Bundy (um dos piores serial killers de todos os tempos), foto do blog muculmanodepe.blogspot.com

Na semana passada, falávamos sobre atitudes que, às vezes, tomamos com nossos filhos, e que podem ser facilitadoras da manifestação de uma personalidade antissocial. Porque, por mais triste que seja a realidade, é necessário reconhecer que podemos fazer muita coisa para ajudar um perverso a piorar, mas é praticamente inexistente algum tipo de ação para minorar o problema. A cura, então, é impossível, porque não se trata de uma doença, mas de uma estrutura mental.
Alguns pais me perguntaram quais as características pelas quais poderiam identificar sinais de perversão em seus filhos. No caso de crianças, ou menores de 18 anos, o transtorno é chamado de Transtorno da Conduta e as atitudes que eu vou descrever SÓ podem ser consideradas como sinal de psicopatia SE ocorrerem de forma repetitiva e persistente. Esses “aprendizes” de psicopata são mentirosos contumazes; cruéis com animais, coleguinhas e familiares; desafiam pais, professores e babás; são impulsivos e irresponsáveis; não toleram qualquer tipo de frustração; têm acessos de raiva quando são contrariados; culpam os outros por faltas que eles próprios cometeram; preocupam-se somente consigo mesmos; são frios e insensíveis; não apresentam nenhum sinal de culpa; não se preocupam jamais com os outros; não ficam embaraçados ou envergonhados quando flagrados em erro; não mantêm amizades; ficam na rua até tarde ou mesmo fogem de casa; matam aula; são vândalos e adoram destruir, desde coisas dos outros, até o patrimônio público; falsificam assinaturas; roubam coisas; têm uma sexualidade precoce e, às vezes, chegam a forçar colegas ao sexo; desde novos, usam álcool e drogas e, se tiverem oportunidade, são capazes de matar outra pessoa.
No caso de crianças, o fato da psicopatia não ter cura, não significa que os pais devam relaxar e deixar a ferinha crescer à vontade. Pelo contrário, eles têm a obrigação de fazer uma “marcação cerrada”, não apenas para proteger a estrutura da própria família, mas também da sociedade. Esse controle rígido pode não curar, mas tem chance de, se iniciado bem cedo, coibir as manifestações mais graves.
Mas, e os adultos? E quanto a esse bando de gente que nos rodeia e que, se damos bobeira, nos passa uma rasteira, nos engana e está sempre aprontando?
Primeiramente, é justamente isso que eu falei anteriormente: não podemos dar bobeira, e reconhecer que este tipo de predador existe, que pode nos atacar e que temos que ficar atentos. Depois, é duro dizer isto, mas não vamos tentar ajudar essas pessoas! Ah, mas eu gosto de ajudar o meu próximo! Então, ajude àquele que quer ser ajudado. Há muitas pessoas “do bem”, e de bem, que querem e podem ser auxiliadas. Certamente, não é o caso dos psicopatas, ou perversos, pois eles não têm nenhum tipo de problema: a maldade que fazem, as transgressões, os logros e os crimes são parte da sua natureza. Então, na lógica deles, eles estão certos.
Portanto, ao tentar mudar o que não pode ser mudado, estamos perdendo tempo e, de quebra, ainda correndo risco. Lembrem-se do sapo. Vocês acham que o escorpião estava errado? Ou o sapo?
Finalizando, quero repetir uma frase citada no livro “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, de onde muitos conceitos deste post foram retirados. É a chamada Oração da Serenidade, do teólogo americano Reinhold Niebuhr, que é muito lembrada nos encontros de grupos como os alcoólicos anônimos:
“Senhor, conceda-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar aquelas que posso, e sabedoria para reconhecer a diferença entre elas.”

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Foto publicada no blog parlapatonices.blogspot.com

Na semana passada, a situação não podia ser mais caótica: era o dia do meu aniversário e eu estava tentando me livrar da guarda. Mas, aquele dia não era especial apenas porque eu já estava atingindo a marca de 19 anos (tô ficando velho, eu pensava), mas, principalmente, porque o Tiro de Guerra estaria sendo vistoriado por um representante do Ministério do Exército. Ou seja, tudo teria que estar na mais perfeita ordem. E estava. A não ser por um pequeno detalhe: banheiro entupido. Só isso. Quem serviu o Tiro de Guerra, sabe bem o que acontece se o banheiro não está em ordem. Imaginem no dia em que o homi lá de cima vinha!
Bem, mas o “nosso” homi chegou. Sem saber o que fazer, e começando, eu mesmo, a sentir uma dor de barriga, me apresentei, e começamos a fazer a vistoria.
Naquele dia, o Sargento estava especialmente bem arrumado, até o perfume estava diferente e, estranhamente, estava bem humorado (até quando? – pensei). Após verificar a guarita, o corredor de entrada, a secretaria e sua sala, começou a se dirigir em direção ao... banheiro! Caminhando ao lado dele, eu ia fazendo a apresentação de cada cômodo da sede. Teve um momento em que eu pensei que ia começar a chorar, quando, de repente, me lembrei que, de praxe e para simples averiguação, ele costumava dar sempre uma puxada naquelas cordinhas dos vasos. Imaginem o retorno daquela aguaceira fedorenta nos seus pés! Não quero nem pensar.
À medida em que nos aproximávamos do banheiro, minhas pernas tremiam ainda mais. Uma discreta vontade de também visitar aquela trincheira salvadora só ia aumentando.
Foi aí que tive uma brilhante ideia: procurei entrar no banheiro antes dele e me posicionei bem em frente à porta daquele que seria o vaso recém-bombardeado. Algo me dizia que ele iria averiguar os outros dois, mas não iria me pedir licença pra inspecionar aquele no qual eu estava. E não deu outra! Ao passar por mim, dirigiu-se aos outros dois puxando, de imediato, a cordinha de descarga. Foi quando atinei que teria me estrepado de vez, pois, de tão nervoso e apressado não havia percebido que, ao me posicionar, havia me enganado e ficado perfilado NA PORTA ERRADA. Já era tarde demais!
Fechei os olhos. Só escutei o barulho da descarga e a sensação de que algo iria transbordar a qualquer momento.
Mas, para minha sorte, ele, neste dia, foi super-rápido e se retirou rapidinho, nem mesmo observando o funcionamento das privadas. Enquanto fui saindo por último, ainda pude escutar aquele aguaceiro começando a escorrer pelo banheiro. Fechei a porta mais do que depressa e deixei a coisa detonar sozinha lá dentro.
A seguir nos dirigimos para o pátio. Ao perfilarmos para a chamada, pude perceber que o 40 havia desaparecido. Alguém, naquele momento, cochichou ao meu ouvido que ele havia se dirigido a um posto avançado, e que teria se entrincheirado no terreno baldio ao lado, bem debaixo de uma goiabeira. Minhas lições de grupo de combate haviam dado certo, pensei.
Para finalizar esta crônica, gostaria de dizer que fui um dos felizardos em ter tido a oportunidade de servir o Tiro de Guerra. Ali, conheci amigos verdadeiros (Irmãos de Guerra), tive meus primeiros contatos com uma disciplina rígida que, por sinal, muito veio me ser benéfica no futuro. Solidifiquei meu respeito à hierarquia, sem deixar de lutar pelos meus direitos e acertos. Pratiquei o dom da humildade, nos momentos de baixar a cabeça e apenas escutar.
Presto aqui também uma singela homenagem ao nosso eterno comandante, Capitão José Carlos Matildes dos Reis, pra nós sempre Sargento, que, por longos anos, soube conduzir, com muita dedicação, honradez e amor, nosso inesquecível TG 04-151
Aos meus irmãos de guerra que se espalharam por este Brasil a fora deixo meu caloroso abraço. Com certeza, cada um de vocês guarda na mochila muitas histórias pra contar.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A ARTE DE CRIAR ESCORPIÕES

Arte digital por Ancestorsrelics

Na semana passada, falávamos dos perversos, ou sociopatas. A cada dia que passa, eles vão ficando mais desenvoltos e, da mesma forma que o escorpião da fábula relatada no post anterior, mais eficazes no uso do seu veneno.
Acostumados com as novelas, pensamos que o perverso é aquele sujeito igual ao Léo, da novela das nove, que mata, seduz, rouba e engana. Ou que é igual ao rapaz que invadiu a escola e matou um monte de estudantes. Mas a questão, séria, é que, embora os sociopatas sejam perversos, nem todos os perversos são sociopatas notórios. A maioria dos perversos está por aí, ao nosso lado, na pracinha, no barzinho, no nosso trabalho e até mesmo na nossa igreja.
É uma pessoa carismática, sedutora, com um discurso convincente, um ar de vítima e uma postura de amigo que se preocupa, ou de amante apaixonado. Tudo firula, apenas um disfarce para atingir seus verdadeiros propósitos, ou seu único propósito que é se dar bem.
O perverso aparece sob a forma daquele colega de trabalho que fala mal do chefe com você e, naturalmente, de você com o chefe, é o cara que não tem o menor escrúpulo de “puxar o seu tapete”, e se justifica dizendo que “o que acontece no escritório não vai abalar a nossa amizade”. Ou, às vezes, a forma é a de um chefe tirano que se delicia em sobrecarregar de serviço aquelas pessoas mais preocupadas, que se insinua para uma subordinada (ou subordinado) e, num momento de distração, utiliza cartão e senha de um colega, para fazer alguma operação escusa.
Esta pessoa pode ser um parente que pede um cheque emprestado, e não te dá nenhuma satisfação ou retorno. Há um caso verídico, numa das cidades nas quais morei, em que o indivíduo pediu dinheiro emprestado à sogra, para comprar o quartinho do bebê que a filha dela estaria esperando. Mas minha filha está grávida? – perguntou a mulher e o “esperto” disse que era uma surpresa e, de posse do valor solicitado, comprou um carro para a amante, que também estava grávida.
São tantos os episódios de enganos, decepções, armações e armadilhas, que fico pensando que, na verdade, somos nós, com nosso senso ético apurado, nossa postura politicamente correta e nosso altruísmo, é que somos culpados por esta onda de barbaridades e abusos, inclusive no cenário político nacional.
Portanto, se alguém precisa fazer alguma coisa, somos nós. Em primeiro lugar, não sendo burros. Porque, se o meu filho, como no caso daquela senhora do primeiro post, rouba, agride, trapaceia e transgride, o mínimo que eu posso fazer é: não compactuar com os erros dele e, de preferência, não obstruir a ação da lei, até mesmo sendo agente da lei, quando necessário.
Outra coisa importante, e ainda com relação a filhos, é não perpetuar, em nossas crianças, essa cultura narcísica, individualista e competitiva que é a regra geral de nossa sociedade. Não estou falando a partir de uma perspectiva moralista, mas de sobrevivência mesmo. Como pais, temos responsabilidade na construção de um mundo mais ameno e menos violento para os nossos filhos. E como é possível cumprir esta tarefa se admitimos comportamentos perversos? Hoje, o cidadão cumpridor de seus deveres é um “mané”, a moça virtuosa é inexistente e o marido fiel, uma piada.
(continua)

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL